Bandeirantes, Gazeta, Rede TV!, Record e Rede 21 ocupam parte da programação com cultos de igrejas e telecomércio. Lei, de 1962, não aborda venda da programação e não é clara sobre cota de publicidade; lucro das TVs com a prática é polêmico.
É só zapear o controle remoto e constatar: na TV aberta o que não falta é programa religioso e de venda de produtos.
Levantamento feito pela Ilustrada, da Folha de São Paulo, com base na programação de São Paulo de 8 a 14 de novembro, mostra que Rede TV!, Record, Gazeta e Band ocupam entre 23% e 30% da grade semanal com programas religiosos.
E a Rede 21, do grupo Bandeirantes, tem só 30 minutos diários de programação própria, o restante tomado pela Igreja Mundial do Poder de Deus.
Dentre os programas exibidos nessas emissoras estão os cultos como os da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo (dono da Record), e os da Igreja Internacional da Graça de Deus, de R.R. Soares.
Além disso, Rede TV! e Band têm espaços alugados para programas de vendas, 10% e 6% do total da programação, respectivamente. Já a Gazeta ocupa 29% da semana com venda de produtos -isso sempre sem contar intervalos comerciais-, sendo que a própria emissora produz os programas.
Nesse telecomércio, tem de tudo. Liquidação de roupa, panelas fritando ovo ao vivo e lançamentos de condomínios etc. As TVs se aproveitam de um vácuo na legislação para alugar parte de seus horários a igrejas e a empresas de venda de produtos. A lei, de 1962, não trata do tema. Diz apenas que no máximo 25% da programação pode ser ocupada por “publicidade comercial”, sem deixar claro o que isso quer dizer.
As emissoras podem estar em situação irregular ou não, dependendo da interpretação.
A venda de espaço para igrejas entra na cota de 25%, visto que o canal tem um lucro? Os programas de vendas entram? Ou “publicidade comercial” são apenas os intervalos? Eis o nó.
O governo vai entrar na polêmica. A ideia é regulamentar a comercialização do tempo de programação, uma vez que canais abertos são concessões públicas, reforçar a fiscalização do limite de 25% de publicidade e deixar claro o que entra na cota.
A proposta, da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, será apresentada em dezembro na Conferência Nacional de Comunicação, convocada por Lula. O documento, obtido pela Folha, fala em “coibir a comercialização do tempo de programação”. “A concessão é dada a uma pessoa jurídica sob certas condições. Não tem sentido subcontratar”, diz Ottoni Fernandes, secretário-executivo da Secom. O texto fala também em “regular a prática de proselitismo religioso”. “Estamos propondo a discussão. Concessão pública implica, em tese, ser destinada a programas informativos, culturais”, afirma Fernandes.
Para o sociólogo e professor de comunicação da USP Laurindo Lalo Leal, “uma TV aberta arrendar horários para igrejas ou vender tapete e joia 24 horas por dia contraria a lei”.
“Esses programas de venda de produtos e os que as igrejas colocam no ar porque pagam ao canal deveriam ser computados nos 25% de espaço comercial permitidos pela lei hoje em vigor”, afirma Leal.
Além disso, ele acredita que “alugar o horário é sublocação de concessão pública”, diz Leal, que é ouvidor da TV Brasil.
O professor de direito da PUC Celso Antonio Bandeira de Mello não vê problemas: “Apesar de ser concessão pública, estamos no ramo de empresas privadas de TV, previsto pela Constituição. A liberdade de comunicação não pode ser cerceada”.
Com isso, opina, o aluguel de horários na TV a igrejas não pode ser considerado violação do princípio do Estado laico.
As TVs negam praticar irregularidades.
Redes dizem que precisam de verba
A Rede TV! e a Gazeta foram claras sobre por que alugam horários para igreja e programas de venda: é questão de sobrevivência.
“Temos a Globo com 43% de ibope, que fica com 80% da verba do mercado publicitário. Enquanto a distribuição dessa verba não for equilibrada, as outras têm que fazer isso para sobreviver, até para que não haja no país um só microfone”, diz Kalled Adib, superintendente de operações da Rede TV!.
“Os programas de venda dão audiência e faturamento. O telespectador está com o controle remoto na mão. Quem perde com isso? Precisamos de dinheiro para produzir nossa programação.”
Segundo ele, o plano é reduzir o espaço alugado por programação própria.
Superintendente comercial da Gazeta, Luiz Fernando Taranto Neves também afirma ter planos de reduzir o espaço de programas de venda: “Fazer TV é caro. A venda de produtos é um modo de ganhar dinheiro e ir melhorando a programação. Já trocamos, aos sábados, o “Best Shop” por futebol”.
Ele ressalta que a produção dos programas de venda é da própria Gazeta. “Temos um “call center” com 300 funcionários, vendemos e entregamos os produtos. Como são programas nossos, posso tirar do ar quando quiser. É diferente de alugar o horário, quando precisamos respeitar o contrato.”
A Band, dona também da Rede 21, enviou e-mail, por meio da assessoria: “Ciente de seu papel na sociedade, a Abra (Associação Brasileira de Radiodifusores) aceitou o convite do presidente da República para debater as comunicações brasileiras na Confecom [Conferência Nacional de Comunicação]. A Band, que integra a Abra com a Rede TV!, está disposta a discutir os temas mais importantes do setor, ao contrário da mídia impressa, que preferiu ausentar-se do debate”.
A Record também se pronunciou por e-mail, via assessoria de comunicação: “A Record cumpre todas as determinações da legislação em vigor”.
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