A maneira como percebemos a “mente” do outro é fundamental para diversos aspectos da sociedade, desde a legislação até a medicina. Um estudo de psicologia feito na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, mostrou que essa percepção é muito mais complexa do que parece e se divide em dois eixos: a relação da mente com o interior e sua relação com o exterior. Enquanto um bebê é visto como alguém com grande sensibilidade interna, Deus, por outro lado, é percebido como uma entidade mais externa.
“Toda as relações em nossa sociedade dependem da maneira como percebemos ‘o outro’, desde um cão até Deus, passando por um bebê, uma pessoa em estado vegetativo ou os mortos”, explicou a co-autora do estudo, Heather Gray. Segundo ela, “mente” nesse caso não é apenas o cérebro, mas todo um conjunto de coisas que envolve desde a alma até a personalidade. “É o todo o ser”, afirma.
Em seu estudo, Gray e seus colegas estudaram as respostas de 2040 pessoas a um questionário. Os respondentes tiveram que avaliar 13 personagens (um bebê, um chimpanzé, uma mulher morta, um cão, um feto, um sapo, uma menina, Deus, um homem adulto, um homem em estado vegetativo persistente, um robô, uma mulher adulta e eles mesmos) em relação a 18 diferentes tipos de capacidades mentais (como a capacidade de sentir dor ou o auto-controle). Eles também tiveram que passar seis julgamentos pessoais, ao responder, por exemplo, qual dos personagens mais os agradavam.
O estudo trouxe uma série de resultados interessantes, que foram publicados na revista “Science” desta semana. Os pesquisadores dividiram as capacidades mentais avaliadas em duas dimensões: a interior e a exterior. “A mente interior, que batizamos de ‘experiência’, é como o indivíduo se relaciona consigo mesmo. Ele é capaz de sentir fome? De se sentir envergonhado? De sentir alegria ou raiva?”, explica Gray. “Já a mente exterior nós chamamos de ‘agência’. É como o indivíduo se relaciona com o mundo. Ele tem moralidade? Tem auto-controle? Faz planos?”
Com essa definição, os cientistas descobriram que um robô, por exemplo, é percebido como algo que possui uma mente exterior, por ser capaz de se relacionar com o mundo, mas não uma interior, porque não “sente”. Só um dos demais personagens o supera nessa característica: Deus.
A própria psicóloga admite que o resultado é curioso, principalmente porque a grande maioria dos participantes se declarou religiosa. Boa parte, muito religiosa. “Os participantes viam Deus como alguém com bastante moralidade e pensamento, mas não como alguém capaz de sentir alguma coisa, como dor ou alegria”, explica Gray. “Em geral, quem responde o questionário tende a se colocar no lugar dos personagens. Acho que eles tiveram dificuldade de se colocar no lugar de Deus”.
A fé se expressou em outros momentos do questionário. A mulher morta recebeu alguns — poucos, mas consideráveis — pontos tanto na escala de mente interior como na de mente exterior. Para Gray isso mostra uma crença na vida após a morte. Da mesma maneira, o paciente em estado vegetativo recebeu bastante pontos na dimensão interior. “As pessoas não conseguiam desistir dele, mesmo depois de termos explicado que esse personagem não era capaz de fazer absolutamente nada”, afirma a cientista.
Para ela, os resultados são importantes porque mostram um padrão de comportamento humano. Com base nas opiniões sobre mente interior e exterior, os pesquisadores conseguiram prever com bastante precisão as decisões do grupo em uma parte posterior da pesquisa, que perguntava como o respondente se relacionaria com cada personagem. “Fizemos perguntas como: se um chimpanzé e uma menina matassem alguém, qual deles você acha que mereceria mais punição? Se você fosse forçado a machucar um homem em estado vegetativo ou um cachorro, qual deles faria você se sentir mais culpado?”, explica.
Segundo o estudo, a mente exterior está mais ligada na nossa percepção à responsabilidade. Por outro lado, a mente interior está ligada a direitos e privilégios. “O comportamento moral humano não depende de um só fator. Pelo menos duas dimensões opostas trabalham em conjunto”, diz Gray.
Diferenças
O grupo reunido pela equipe de Heather Gray era bastante diverso, com homens e mulheres de diferentes idades, históricos e crenças. Ainda assim, as respostas de todos foram bastante uniformes.
“Não vimos diferenças entre homens e mulheres e entre pessoas mais jovens e mais velhas. Quando vimos as respostas sobre o cão, por exemplo, dividimos os resultados entre os que já tinham tido um cachorro na vida e os que nunca tiveram, e os resultados dos dois grupos foram semelhantes”, explica a psicóloga.
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