Uma pesquisa da revista "Veja", feita em parceria com a CNT/Sensus, revelou que seis de cada dez brasileiros jamais votariam, sob nenhuma circunstância, num candidato ateu ao Palácio do Planalto. A informação desmonta chavões politicamente corretos e lançamentos editoriais festejados que, vez por outra, anunciam a morte de Deus e o advento da “racionalidade”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso experimentou na carne as conseqüências do ateísmo real ou atribuído. Jânio Quadros, não obstante a rejeição que carregava, levou a Prefeitura de São Paulo. E FHC, ao que parece, não esqueceu a lição.
Em maio do ano passado, o instituto Datafolha fez pesquisa sobre a religiosidade por ocasião da visita ao País do papa Bento XVI. O levantamento, citado pelo jornalista André Petry em matéria da "Veja", revelou a robustez da fé brasileira: 97% disseram acreditar na existência de Deus, 93% informaram crer que Jesus Cristo ressuscitou depois de morrer crucificado e 86% admitem que Maria deu à luz sendo virgem.
Alguns setores da imprensa, no entanto, num surpreendente exercício de autismo, continuam produzindo pautas e escrevendo para uma sociedade supostamente agnóstica. A busca de Deus é um fato sociológico. Jornalistas competentes, imunes ao vírus da superficialidade, sabem decifrar o fenômeno religioso. Outros, reféns de um sectarismo anacrônico, sucumbem à patologia dos chavões.
O domínio da tecnologia e os notáveis avanços da ciência devem ser comemorados. Mas não explicam quase nada. O homem só consegue encontrar o seu eixo na mágica contemplação de um paradoxo: a misteriosa força do Menino desvalido que descansa na manjedoura. A vida pode parecer uma charada. Decifrar o seu código exige uma lógica diferente. E é precisamente isso que as pessoas intuem.
Certa vez, Hans Küng, ex-teólogo católico e expoente da minoria contestatária ao papado, foi curiosamente interpelado por um pastor protestante. “Tudo o que o senhor pede para o catolicismo - abolição do celibato, ordenação de mulheres, etc. -”, sublinhou o pastor, “nós já temos. Como é possível, então, que os nossos templos estejam muito mais vazios que as igrejas católicas?” Küng não conseguiu esboçar nenhuma resposta. A realidade dos fatos desnudou a inconsistência das suas teorias teológicas.
Jovens buscam princípios
Deus, os pais, anjos e milagres são campeões de credibilidade no mundo dos adolescentes. Os dados, revelados em várias pesquisas feitas por institutos europeus, confirmam a tendência mundial. Após décadas de liberação dos costumes, toda uma geração de cinqüentões assiste, atônita, a uma contra-revolução moral protagonizada por seus filhos e netos.
A religião, sintoma de alienação na geração do oba-oba, ganha espaço no mundo dos jovens. Entre os surfistas, por exemplo, cresce o número de adeptos do uso de medalhinhas, escapulários e crucifixos. O novo mapa da juventude, embora pouco divulgado, não é novidade para quem mantém contato com o universo estudantil. A mudança de comportamento não é fogo de palha.
É sólida e consistente. Em casa deixou de rotular os pais de caretas para buscar neles a figura do companheiro. No relacionamento com o sexo oposto, surpreende o número dos que manifestam o desejo de manter um vínculo firme e fixo. Poucos, muito poucos, caracterizam sua ligação afetiva como descomprometida.
A juventude real está identificando valores como respeito, amizade, amor. Há uma demanda reprimida de âncoras morais e de normalidade. O fenômeno não é só nosso. É universal. Convencidos de que “o verdadeiro amor espera”, inúmeros casais de namorados nos Estados Unidos se comprometem a viver a castidade até o dia do casamento. “Guarde o sexo para o casamento!” O mote, cantado em ritmo de rap, avança como uma onda no meio estudantil norte-americano.
Fundamentalismo? Restauração neoconservadora? Talvez uma rebelde tentativa de recompor a afetividade dilacerada pela frieza da indústria do sexo. Quem sabe uma nova atitude, mais consciente e amadurecida, que a mídia aparenta desconhecer. A nova tendência comportamental, embora influenciada pelo fantasma da aids, tem raízes mais profundas.
Mudança
Os filhos e os netos da permissividade sentem uma aguda nostalgia de valores. As décadas da revolução sexual produziram muito sexo e pouco amor. O relacionamento descartável deixou o travo do vazio. Agora, o auê vai sendo substituído pelo sentido do compromisso. A juventude real, não a de proveta, imaginada por certa indústria cultural, manifesta uma procura de firmeza moral. Aspira, ao contrário do que se pensa, ao conselho seguro e ao estabelecimento de limites. Não quer a concessão da velhice assanhada. Espera, sim, a palavra que orienta.
O tema da sexualidade, puritanamente evitado pela geração que se formou na caricata moral dos tabus e das proibições, explodiu, sem limites, na síndrome do sexo descartável e das drogas. O terceiro milênio, no entanto, não será conservador na acepção pejorativa que a prostituição semântica impôs ao termo. Será, estou certo, um período de recuperação do equilíbrio e de instauração do verdadeiro humanismo.
Freqüentemente, em seminários e reuniões profissionais, discutimos caminhos para conquistar leitores jovens. Falta-nos, talvez, o bom senso de ouvir o jovem real. Por outro lado, transmitimos informação religiosa de baixa qualidade técnica e carregada de moldes agnósticos para um público majoritariamente crente. Produzimos pautas para uma juventude que não existe, exceto na nossa cabeça e nos nossos preconceitos. Resultado: perdemos leitores.
As pesquisas derrubam estereótipos e transmitem recados interessantes.
Vale uma reflexão.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@ceu.org.br
Texto publicado no jornal "O Estado de S.Paulo", em 14/01/08
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