Os pontos de ônibus de Madri deixaram de ser apenas paradas para quem entra ou sai de transportes públicos e estão se tornando centros de debates entre ateus e cristãos.
A razão disso é uma guerra publicitária entre grupos ateus e religiosos, estampada nos ônibus. Primeiro foram os ônibus ateus. A campanha publicitária com cartazes mostrando a frase "Deus provavelmente não existe. Deixe de se preocupar e desfrute a vida" iniciada em Londres em 2008 chegou à Espanha em dezembro e teve logo resposta.
Em janeiro a propaganda cristã financiada por católicos e evangélicos, começou a ser divulgada nos ônibus municipais: "Deus existe sim. Desfrute a vida em Cristo".
Depois que a polêmica campanha publicitária religiosa chegou à Espanha, na chamada "guerra dos ônibus", os fiéis entraram na disputa e há quem se recuse a entrar em veículos que neguem a existência de Deus.
Cartaz
A rivalidade saiu dos veículos e alcançou os pontos de ônibus. A católica Dolores Rubio Cospedal, 69, decidiu se manifestar contra todos os que viajem nos ônibus com propaganda contra Deus.
Cada vez que um dos veículos com a campanha ateia circula por ali, Dolores se levanta, mostra um cartaz escrito "Deus existe sim" e recrimina motoristas e usuários. Como ela, outros passageiros têm levado cartazes às ruas e dizem que não aceitarão entrar em um ônibus que negue a existência de Deus.
"Eu não vou subir nesse ônibus de jeito nenhum. Fico aqui o tempo que for preciso para que vejam que nós cristãos estamos indignados. O que estão fazendo é uma imoralidade, uma blasfêmia. Tenho vergonha de ser espanhola", disse Dolores à BBC Brasil.
Alguns passageiros, fiéis ou não, respondem aos manifestantes cristãos lembrando que prevalece a liberdade de expressão.
"Isso é só publicidade, é uma polêmica estúpida, cada um diz o que quer, é um país livre. A senhora não fala de Deus aqui sem problema? Então por que outros não podem?", disse a estudante Rosario Flores, 23, que se define como "católica não praticante".
Explicações
Na tarde da quarta-feira passada o motorista Francisco Gomez Aguilar teve que dar explicações aos manifestantes cristãos para deixar de ouvir reclamações no ponto da catedral.
Explicando que também é católico, o motorista disse que não queria dirigir o ônibus com a propaganda que nega a existência de Deus, mas foi obrigado pela empresa.
"Pedi para mudar de turno para não pegar este veículo, mas não me deixaram. Se fosse por mim, estaria proibido", disse Francisco, completando à BBC Brasil que em uma das viagens alguns passageiros evangélicos distribuíram cartões com a pergunta: "se você morrer esta noite onde passará a eternidade?".
A chamada guerra dos ônibus surgiu depois que a União de Ateus e Livres Pensadores da Espanha iniciou a campanha no país, inspirando-se no exemplo da propaganda britânica.
Os anúncios em duas linhas municipais em Madri custaram 4 mil euros (cerca de R$ 12 mil), mas a União prevê aumentar a campanha em mais cidades e já arrecadou mais de 30 mil euros (aproximadamente R$ 90 mil) por meio de doações.
Em janeiro chegaram os ônibus cristãos. Financiados pela organização católica E-Christians e pela evangélica Centro Cristão de Reunião, foram alugados espaços em três linhas municipais da capital espanhola.
Ao contrário dos manifestantes, ambas as instituições acreditam que não há ofensa, apenas rivalidade. "Todos podem expressar livremente suas opiniões. Nós também. Respeitamos a todo mundo opiniões, ideias e crenças. Eles usaram uma plataforma pública e nós também, só que para comunicar ao mundo que a única vida plena é a que segue a Jesus Cristo", disse à BBC Brasil o porta-voz do Centro Cristão de Reunião, Francisco Rubiales.
Sem ofensa
A União de Ateus respondeu à BBC Brasil apenas que "a campanha não é ofensiva, foi aprovada pelo Comitê de Controle da Publicidade dos Municípios Espanhóis" e continuará em Madri, Barcelona, Málaga e La Coruña.
Já a Conferência Episcopal Espanhola, que não participa da campanha nos ônibus, acha que há blasfêmia e que o governo deveria intervir.
Segundo o comunicado oficial emitido no dia 24 de janeiro, "insinuar que Deus é uma invenção e que não deixa as pessoas desfrutarem da vida é uma blasfêmia e uma ofensa aos que acreditam".
A nota recomenda aos católicos "respeitar o direito de expressão de todos" e "às autoridades competentes tutelar o exercício pleno do direito de liberdade religiosa". Em outras cidades europeias como Valencia, Zaragoza, Roma e Milão, os ônibus ateus não foram aprovados pelos governos locais.
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