A Bíblia é o livro mais lido no país, indica a pesquisa “Retratos da Leitura”, realizada pelo Ibope Inteligência para o Instituto Pró-Livro. Existem cerca de 20 traduções diferentes para o português, incluindo versões evangélicas e católicas, além das paráfrases.
Agora, uma tradução direta do grego feita pelo português Frederico Lourenço, professor de Estudos Clássicos, Grego e Literatura Grega da Universidade de Coimbra, está sendo lançada no Brasil. Ele explica que seu interesse pela Bíblia é “histórico-linguístico, e não teológico”. O autor deu uma entrevista ao jornal O Globo, onde assegura que sua tradução oferece a oportunidade de se ler um texto mais próximo da intenção original dos seus autores.
“Achei que faltava em português uma tradução feita para ser lida sob a perspectiva da história do primeiro cristianismo e não à luz das igrejas que vieram depois”, justifica. Também aponta que os quatro evangelistas eram leitores da tradução do Antigo Testamento para o grego, a Septuaginta, e que isso influenciou a redação dos seus evangelhos.
“O caso mais evidente que todos conhecem ocorre no primeiro capítulo de Mateus, com a citação de Isaías sobre a virgem que engravidará e dará à luz um filho. A palavra “virgem” não está na frase hebraica de Isaías; está só na tradução grega de Isaías”, sublinha. Ele destaca que “nas cartas de Paulo vemos em cada página citações da Bíblia grega que têm uma fraseologia diferente da que conhecemos do texto hebraico”.
Para Lourenço, “É o texto grego do Novo Testamento que nos leva mais perto das intenções da sua escrita. Por isso não concordo com Bíblias traduzidas do latim, do inglês ou do francês, como é o caso de muitas que circulam em língua portuguesa”. O português tenta fazer do seu trabalho uma diferenciação da maioria das versões católicas, que foram baseadas na Vulgata, texto bíblico versado para o latim, que possui os livros chamados apócrifos. A maioria das traduções feita por evangélicos baseia-se nos textos originais em hebraico do Antigo Testamento e do grego koinê do Novo Testamento.
O autor segue uma outra linha, a qual acredita que “é impossível recuperar o texto original tal como ele foi primeiramente escrito, porque os manuscritos mais antigos que temos no Novo Testamento completo são do século IV. E depois disso há milhares de manuscritos até ao século XV, e todos apresentam diferenças”. Em geral, as Bíblias de estudo disponíveis no Brasil apresentam notas explicativas que abordam o assunto.
Como o ponto de vista de Lourenço é estritamente literário, ele avalia que Mateus, Marcos, Lucas e João estão numa categoria conceitual e literária superior. “Uma das maiores riquezas do cristianismo é termos esses quatro retratos diferentes de Jesus. O que me parece errado é desvalorizar as diferenças e fingir que os quatro dizem a mesma coisa”, assevera.
Ele tenta desmistificar a ideia que existem traduções “erradas” lidas nas igrejas do Brasil, mas vê uma necessidade de estudo maior. “Aceito que, para leitura na igreja, se queira uma Bíblia traduzida de modo a facilitar o entendimento oral do texto. Mas depois em casa as pessoas podem interessar-se por conhecer os problemas que estão por trás das palavras que ouviram na igreja”.
Em “O livro aberto”, sua obra que será lançado em julho, na Flip, ele aborda a Bíblia “de uma perspectiva crítico-histórica, sem recurso à interpretação teológica”.
“O que proponho é que as incoerências são uma característica compreensível, dado o fato de o Livro constituir a reunião de muitos livros escritos por pessoas diferentes em épocas diferentes”, finaliza.
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