Na noite da Sexta-feira da Paixão de Cristo, uma mulher dirigiu pelas ruas de Natal (RN) com um conjunto de fotos que foram determinantes para a decisão que tomou: tirar a própria a vida.
Enquanto rumava para o que acreditava que seriam seus momentos finais, repassava mentalmente os porquês de seu marido ter lhe traído, como revelavam as imagens. Mas não se demorou na busca por respostas e manteve o foco em suas intenções.
Prosseguiu dirigindo em direção à Zona Leste da cidade, cada vez mais próxima à Ponte Newton Navarro, monumento estaiado que chega a 55 metros de altura — equivalente a um prédio de 18 andares — sobre o encontro do Rio Potengi com o Oceano Atlântico. Ao chegar à cabeceira da ponte, estacionou o carro e começou a subi-la a pé, até que foi bruscamente interrompida.
“Foi a primeira noite em que montei acampamento e vi essa mulher surgir subindo a ponte. Corremos e a agarramos. Na primeira noite, éramos apenas eu e mais dois voluntários. Conseguimos impedir que ela se atirasse”, relembrou o pastor Rubens Medeiros, de 45 anos, da Assembleia de Deus. De lá para cá, ele fixou acampamento na cabeceira da ponte e chamou a atenção de todo o país para um problema de saúde pública que tem sido negligenciado pelas autoridades.
Inaugurada em outubro de 2004, a Ponte Newton Navarro é mais um desses enredos que expõem a falta de governança do poder público. A obra foi entregue incompleta na gestão da ex-governadora Wilma de Faria e com acusações de desvios de R$ 32 milhões pela Polícia Federal.
O monumento custou R$ 195 milhões ao todo. A ponte tem quase três quilômetros de extensão, dos quais 500 metros, no trecho mais alto, são sustentados por cabos de aço. Até o quarto ano após sua inauguração, ela colecionava mais elogios do que críticas por sua exuberância.
Mas, a partir de 2009, a imprensa de Natal começou a registrar que a ponte estava servindo para um fim totalmente adverso ao da sua construção: tinha virado um ponto de suicídio.
Como a obra foi entregue sem as defensas — um conjunto de intervenções de segurança — apenas uma grade de pouco mais de um metro e meio impede que qualquer um se jogue lá do alto. Com o passar do tempo, os suicídios passaram a ser de tal rotina que deixaram de espantar.
O estado se nega a informar números absolutos, mas divulgou que de 2011 até atualmente, 1% de todos os suicídios do Rio Grande do Norte foram na ponte. Segundo os dados, 91% dos casos acontecem dentro de casa. ÉPOCA apurou que, só neste ano, 413 pessoas se suicidaram ao se jogar do vão central da ponte, de 55 metros de altura — mais de três pessoas por dia.
O descaso abriu até uma janela de oportunidade. Na margem do Rio Potengi correspondente à praia da Redinha, pescadores oferecem o serviço de resgate de corpo a familiares de quem chega ao local e vê o corpo do ente querido nas águas do rio.
Sentinelas
O pastor Rubens Medeiros se disse convocado a lutar contra esse cenário quando, em uma noite, despertou de um pesadelo no qual seu filho de três anos era uma dessas vítimas. “Eu o via subir a ponte e saltar. Acordei apavorado. Naquele momento, entendi que Deus estava falando comigo. E decidi que iria acampar aqui para evitar que as pessoas façam esse horror”, disse.
Até a publicação desta reportagem, ele e seus voluntários, que se denominam “Sentinelas de Cristo”, evitaram 84 suicídios. “Apenas uma pessoa conseguiu. Foi uma pena”, disse o pastor com o olhar vago, mirando a ponte.
Ailton de Oliveira, de 51 anos, é um desses sentinelas. Ele conversou com ÉPOCA no ponto mais alto do equipamento nesta sexta-feira. A aproximação do repórter já o colocou em alerta. “As pessoas param aqui para nos cumprimentar. Mas também param para encontrar um ponto descoberto para se jogar”, disse, ao explicar seus cuidados. Assim como o pastor, Oliveira disse que está em missão divina, com um caráter de gratidão: “Há seis anos estou livre das drogas. Estou aqui hoje para retribuir o que Deus fez por mim. Eu também subi essa ponte para me matar. Mas, na hora de pular, Deus conversou comigo. Agora é minha vez de devolver esse gesto”.
O trabalho das sentinelas foi equipado graças à repercussão que o caso teve. Elas se dividem em equipes de plantão e cobrem toda a extensão da ponte, três equipes de cada lado. Como receberam mais de 20 rádios para comunicação, toda vez que um transeunte começa a subir a ponte, todas as pessoas são avisadas que pode se tratar de um suicida em potencial.
Nas 84 histórias que tiveram suas tentativas de suicídio interrompidas, há em comum a dor. Depois do susto inicial, as pessoas passam a relatar aflição e angústia relacionadas a traição e abandono afetivo e algumas voltam para agradecer. “É impressionante o número de pessoas que tentam se matar porque não se sentem amadas”, descreveu Rubens. Nesta semana, uma das histórias em particular tocou a todos: uma mãe subiu a ponte com seu bebê nos braços para dar fim à própria vida e à do filho. “Ela não se sentia merecedora de amor”, revelou Oliveira.
Apesar de a ação do grupo ter viralizado nas redes sociais, o pastor Rubens Medeiros ainda não conseguiu o apoio que quer para desmontar seu acampamento, que atualmente chega a ter 500 pessoas por dia. “Só vamos sair daqui quando mandarem patrulha para esta ponte enquanto providenciam a rede de proteção”, afirmou convicto.
Os agentes públicos da demanda são o estado do Rio Grande do NOrte e a prefeitura de Natal, sentenciados em outubro de 2018 pela Fazenda Pública de Natal a providenciar os equipamentos de segurança.
A prefeitura de Natal informou em nota que recorre da decisão porque contesta a jurisdição que lhe foi atribuída. Alega que a ponte foi construída com recursos federais, executada pelo Estado, e que não lhe compete nenhuma intervenção no local. Sobre a patrulha, informou não dispor de efetivo para se revezar nas vigílias como os voluntários têm feito.
Já a governadora Fátima Bezerra (PT) recebeu uma equipe de sentinelas e anunciou a formação de uma comissão para tomar medidas. Como a gestão da ponte é compartilhada com o município, a administração estadual afirmou que vai juntar esforços com a prefeitura para solucionar o caso.
Enquanto isso, Rubens Medeiros busca apoio em nível federal. Ele chegou a receber manifestação em vídeo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e alimenta a esperança de que o presidente Jair Bolsonaro possa se sensibilizar com o caso e também ajudar.
De militar a pastor
Rubens Medeiros recebeu ÉPOCA paramentado de militar e adiantou sua história. “Servi como militar aqui em Natal. Mas hoje sirvo a Deus”, disse.
Aos 45 anos, é pai de três filhos e, além de congregar em sua igreja, ganha a vida como trader, operando na bolsa de valores. “Mas quem é fera mesmo nisso é um amigo meu a quem confio tudo, o Pedro. É ele que fez a maior parte das ações para mim”, confidenciou. Segundo disse, já gastou do próprio bolso quase R$ 5 mil. Das doações que chegam ao local, poucas são em forma de dinheiro. Foram quase R$ 2 mil até agora, explicou ele.
Enquanto conversava com ÉPOCA, Medeiros mantinha a atenção no rádio com o qual circula pelo acampamento. Depois que a Cruz Vermelha doou duas barracas e eles conseguiram montar uma estrutura com cozinha, chegaram banheiros químicos doados por igrejas.
Para tomar banho, eles se revezam em uma casa alugada por R$ 250 a alguns metros do acampamento, de onde puxaram uma fiação que fornece luz para o local. Uma caixa de som permaneceu ligada durante toda a permanência da reportagem reproduzindo músicas evangélicas. “Essa é linda”, disse o pastor a certa altura no meio da entrevista.
A mobilização de Medeiros fez outros profissionais se prontificarem para a ação. Há advogados, psicólogos e psiquiatras engajados na causa, entre outras especialidades. Caso da educadora física Leila Maia. Engajada em projeto de conscientização sobre depressão, ela se juntou ao pastor nos esforços para conseguir os equipamentos de segurança da ponte. “Meu projeto nasceu de uma inspiração na Coreia do Sul, quando a Samsung fez uma campanha em uma ponte que também estava sendo utilizada para suicídios e conseguiu redução de 85% dos casos”, explicou. Graças à ação de Maia, 80 mensagens de encorajamento pela vida estão espalhadas ao longo dos quase três quilômetros da Ponte Newton Navarro.
A relação de Rubens com Deus ao longo de todo seu acampamento, contudo, foi fortemente abalada quando seu telefone tocou numa tarde de sábado e, do outro lado, sua mãe anunciara que o pai havia acabado de morrer depois de um ataque fulminante.
“Eu perguntei o que Deus queria de mim. Pensei que, àquela altura, mais de 70 famílias deveriam estar enlutadas porque teriam algum familiar que se matou, mas não estavam graças a nosso trabalho. Então, por que a minha era que estava em luto? Por quê?”, queixou-se o pastor, que garante, no entanto, que não busca mais a resposta. “Já a encontrei fazendo o que faço aqui.”
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