Esta é a segunda parte do artigo intitulado Perseguição e missão, escrito por Thomas Schirrmacher para Lausanne World Pulse. Leia aqui a primeira parte.
Seguindo a tradição velho-testamentária (por exemplo, Jó 31.29; 42.8-9), o Novo Testamento nos exorta a pedir a graça de Deus sobre os perseguidores e a testemunhar a eles (Mt 5.44, Lc 6.27-28; 1Co 4.12).
O testemunho mais impressionante foi a oração de Jesus quando disse que Deus terá misericórdia de seus perseguidores (Lc 23.34). O primeiro mártir cristão, Estevão, orou de maneira parecida (At 7.60). Ambos pedidos foram atendidos, já que alguns dos perseguidores mais tarde se converteram (por exemplo, o centurião romano em Lc 23.47 ou Paulo em At 9.1-18).
A história da igreja está cheia de relatos de cristãos martirizados como Policarpo (conhecido porque orou por aqueles que o torturaram).
A Igreja contemporânea tem também seus próprios exemplos. Em 1913, o evangelista indonésio Petrus Octavianus relatou a história de um missionário da região de Toradya, no sudeste de Java. Cinco membros de uma tribo queriam matar o missionário, mas permitiram-lhe que orasse antes por eles. Ele orou em alta voz, pedindo que fossem salvos.
Três deles foram banidos para Java, converteram-se na prisão, e retornaram para Toradya, onde fundaram uma igreja que mais tarde, em 1971, tornou-se a quarta maior da Indonésia.
Não nos esqueçamos dos cinco missionários martirizados no Equador pelos aucas na década de 1960. Muitos dos assassinos tornaram-se anos depois os pilares da Igreja entre os aucas.
Muitos perseguidores de cristãos tornaram-se, tempos depois, cristãos. O mais conhecido deles é Paulo. Ele freqüentemente referia-se à perseguição que perpetrara conta a Igreja (1Co 15.9; Gl 1.13; 23.24; Fp 3.6; 1Tm 1.13; At 9.4-5; 22.4,7-8; 16.11, 14-15).
Jesus, missões e perseguição
Falar de Jesus é falar de missões, sofrimento e perseguição. A profecia de sua morte acompanha inteiramente seu ministério na Terra (Mt 10.17-19; 16.21; 17.22-23; 26.2).
Os detalhes da narrativa da Paixão ocupam as maiores seções dos evangelhos. Paulo consistentemente apresentou Jesus como o mártir arquétipo e como exemplo para todos os cristãos. Desse modo, não é de se surpreender que os escritos da igreja primitiva a respeito do martírio consideravam Jesus como o protótipo do mártir.
Jesus é o verdadeiro objeto de toda perseguição. Por essa razão, Jesus pergunta a Saulo: “Saulo, Saulo, por que me persegue?” (At 9.4; 22.7; 26.14), e se identifica como “Jesus, a quem você persegue” (At 8; 9.5,22; 26.15).
A verdadeira razão para o sofrimento dos cristãos é Cristo, já que é o foco nele que justifica a oposição. Martinho Lutero disse certa vez: “Quanto mais claramente a Igreja reconhecer Cristo e testificar a respeito dele, mais certo se tornará o fato de que ela encontrará contradição, confrontação e ódio do anticristo”.
O próprio Jesus freqüentemente lembrava seus discípulos de que seriam perseguidos por sua crença enquanto pregassem o evangelho (Mt 10.22; 16.25; Lc 21.12).
Sem a ofensa da cruz, não haveria missões, mas também não haveria perseguição (Gl 5.11). Paulo acusou seus adversários de serem circuncidados apenas para escapar da perseguição (Gl 6.12,14). De fato, a palavra da cruz é loucura para os que não crêem (1Co 1.18), impedimento para os judeus, e tolice para os gentios (1Co 1.23). Entretanto, é também o centro da história da salvação (1Co 1.23, 2.2). Dessa forma, a mensagem da cruz é a glória do evangelho, assim como sua loucura (1Co 1.17-25; Gl 6.11-14).
O Espírito Santo, verdadeiro missionário, e a perseguição
Sem o Espírito Santo, todas as missões são fúteis e não servem para nada. Então, como missões e perseguição estão intimamente relacionadas, o Espírito Santo também possui um papel vital na experiência com a perseguição.
Ele é o “Consolador” (Jo 16.16,26) e dá aos cristãos a força para enfrentar a perseguição e a alegria para regozijar nas condições mais difíceis (1Pe 4.14). O espírito da glória, que repousou sobre o Messias (Is 11.2) traz sua glória a todos que aparentemente perderam-na, como Estevão, descrito por Lucas como aquele que “estava cheio do Espírito Santo” ([At 7.55) durante sua defesa e execução, e como aquele que viu a glória de Deus no céu.
Jesus prometeu sabedoria aos perseguidos quando estivessem diante de juízes e necessitassem testemunhar. O Espírito Santo, de fato, os instruiriam naquilo que tivessem de falar (Lc 21.12-15; Mt 10.19-20).
William Carl Weinrich* observa que raramente Jesus falou da função do Espírito Santo, entretanto, quando o fez, descreveu-o como o Auxiliador e Consolador em meio à perseguição (Mt 10.17-20; Mc 13.9-11; Lc 21.12-19). Não é de se estranhar que Paulo atribuía sua perseverança ao Espírito Santo (2Co 6.6; Fp 1.19; 1 Ts 1.6-7).
A Igreja primitiva era constantemente advertida de que somente o Espírito de Deus poderia dar sabedoria e força aos perseguidos para que resistissem.
Notas
3. Konrad-Adenauer-Stiftung: Berlin. 1981. Spirit and Martyrdom. Washington D.C.: University Press of America.
Sobre o autor
Dr. Thomas Schirrmacher é professor de ética e sociologia da religião na Alemanha e na Turquia. Ele também é presidente do Seminário Teológico Martin Bucer, representante de direitos humanos da Aliança Evangélica Mundial e diretor do Instituto Internacional da Liberdade Religiosa (Bonn, Cidade de Cabo, Colombo).
Schirrmacher tem quatro doutorados (teologia, antropologia cultural, ética, e sociologia da religião).
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