O atual direito à religião no Peru ainda mantém resquícios do velho direito confessional estatal, que não tem seguido sempre, e em todo lugar, os rumos da modernidade democrático-liberal, afirma, em sua tese, o advogado adventista Marco A. Huaco Palomino.
O direito à religião peruano conserva princípios políticos de confessionalidade. Essa situação sugere uma nova etapa no desenvolvimento histórico do princípio e direito de liberdade religiosa: o trânsito para um regime de plena igualdade religiosa num contexto de relações Igreja-Estado
cooperativas, agrega Huaco.
Ao sustentar sua tese de licenciatura sobre liberdade religiosa, no dia 6 de dezembro, no Salão de Graus da Faculdade de Direito da Universidade Nacional Maior de São Marcos, Huaco expôs algumas das idéias apresentadas em 2002, no debate do Congresso sobre a reforma constitucional relativa às relações entre o Estado e a Igreja.
A banca examinadora, composta entre outros pelo destacado constitucionalista César Landa Arroyo, outorgou a Huaco uma ótima qualificação e recomendou a publicação da tese.
Após resenhar sobre o período de intolerância religiosa que prevaleceu durante a colônia até o início da República, Huaco anotou que a reforma protestante do século XVI marcou um passo histórico para a superação da intolerância, assegurado pela separação Igreja-Estado na Constituição dos Estados Unidos.
No Peru, disse, a intolerância religiosa prevaleceu de maneira legal até 1915, quando foi reformulado o artigo 4 da Constituição e se permitiu o exercício público das religiões não-católicas.
Isso ocorreu por causa da prisão do missionário protestante Francisco Penzotti e do assalto à missão Adventista de Platería, em Puno. Esses casos foram aproveitados por liberais, maçons, anarquistas, socialistas, protestantes e racionalistas para lutar contra o conservadorismo clerical da época.
A reforma de 1915 introduziu a tolerância religiosa, porém manteve a confessionalidade católica do Estado peruano. As Constituições de 1933 e 1979 mantiveram uma política privilegiada - de proteção primeiro e de cooperação exclusiva depois, a favor da Igreja Católica, historiou Huaco.
A definitiva consagração constitucional do direito à liberdade religiosa no Peru ocorreu em 1979, impulsionada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e a declaração sobre liberdade religiosa do Concílio Vaticano II Dignitatis Humanae. A declaração insiste na confessionalidade do Estado, mas admite que a liberdade religiosa é uma conquista que deve ser
reconhecida pela legislação civil.
No Peru, anotou Huaco, isso proporcionou anular a instituição do Patronato e a posterior assinatura de um acordo quase clandestino de concórdia com a Santa Sé, através do qual as antigas prerrogativas eclesiásticas católicas foram mantidas.
Isso levou a uma situação contraditória entre a Constituição, que aparentemente promove a separação Igreja-Estado, e um tratado internacional de hierarquia superior que contradiz clamorosamente esse princípio.
A liberdade religiosa, sublinhou Huaco, inclui a liberdade de ter ou não ter crença religiosa e de manifestá-la. A liberdade de ter crença religiosa inclui a liberdade de adotá-la, mudá-la e abandoná-la.
A liberdade de manifestá-las inclui a liberdade de culto, a liberdade de difusão e informação religiosas, liberdade de formação, educação e ensinamentos religiosos, liberdade de reunião e associação com fins religiosos e a liberdade de consciência religiosa.
As liberdades de pensamento, de consciência e de religião são liberdades autônomas, ainda que estejam intimamente vinculadas, frisou o advogado.
No Peru, onde se debate a reforma da Constituição, essa deveria incluir uma cláusula mais específica que consagre a laicidade ou neutralidade do Estado perante todas as confissões religiosas, assim como a revogação ou denúncia do atual Acordo com a Santa Sé.
Segundo Huaco, seria pertinente aprofundar e desenvolver o direito de liberdade religiosa mediante a introdução de uma Lei de Assuntos Religiosos, via lei orgânica ou de desenvolvimento constitucional, e das matérias relacionadas ao registro de entidades religiosas, direitos pessoais e
institucionais.
Da mesma forma, deveriam ser definidos procedimentos e requisitos para que fossem firmados Acordos de Cooperação entre o Estado e as diferentes confissões religiosas, num plano de igualdade.
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