O juiz Federal Vieira Neto atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), em Goiás, para retirar de seus formulários de seleção e cadastramento tópicos sobre a preferência religiosa, social e política de recrutas.
A decisão é resultado de uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada por procuradores em março de 2018 incluindo um pedido de antecipação de tutela contra a União por conta da prática de tortura dentro do 41º Batalhão de Infantaria Motorizada, localizada em Jataí, sudoeste goiano.
As investigações que deram origem à ACP começaram em outubro de 2017. Recrutas que se declaravam simpatizantes dos Direitos Humanos ou de determinados movimentos políticos e sociais teriam sofrido agressões físicas e morais de superiores.
As informações seriam previamente retiradas dos rapazes a partir da “Ficha de Entrevista de Conscritos”, onde é possível ver que os jovens são questionados até mesmo sobre religião.
Em março, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra a União pedindo indenização coletiva no valor de R$ 15 milhões pela prática de tortura e exigência de informações privadas no Batalhão de Jataí, cerca de um mês depois que 11 jovens, entre 18 e 19 anos, deram entrada no Serviço Social do Hospital das Clínicas da cidade, por fraqueza, tontura e sintomas de hipotermia.
Segundo o MPF, familiares relataram em depoimento que os rapazes foram submetidos à excessivo treinamento físico e agressões por parte dos instrutores e, ainda, demora do batalhão em avisá-los sobre a entrada dos jovens no hospital.
O Ministério Público coletou materiais que mostram que a prática de torturas estaria sendo direcionada contra recrutas que se declaravam simpatizantes de Direitos Humanos e de movimentos sociais e políticos.
“Consta da representação às fls. 4 e 5 que ao longo do processo de incorporação, os novos recrutas deveriam informar caso se considerassem “petistas ou defensores dos direitos humanos” (sic), elemento (participação em movimentos sociais) também presidente no depoimento prestado pelo soldado Doge”.
Um soldado confirmou aos procuradores que, quando ingressam no Batalhão de Jataí, são perguntados sobre vínculos com movimentos sociais. Em um trecho do seu depoimento, ele conta que passou a ser perseguido após expor suas preferências.
O Departamento Geral de Pessoal do Exército (DGP) defendeu o uso do formulário em Jataí, explicando que o modelo é para fins estatísticos, isso acerca de religião, e negou que o questionário incluiu perguntas sobre participação em movimentos sociais.
“Conforme já mencionado nesta decisão, o fato de não ser utilizado nacionalmente não esclarece em que extensão está sendo utilizado, e mesmo que utilizado em uma
única região (…) posto que é um comportamento administrativo inaceitável e violador de garantias constitucionalmente asseguradas aos indivíduos e de deveres impostos ao Estado”, considerou o juiz.
Na sua decisão, além do 41º Batalhão ser proibido de aplicar as perguntas pertinentes à religião e preferências políticas na “Ficha de Entrevista de Conscrito”, o juiz determinou que o Exército Brasileiro não utilize tópicos análogos em seus novos formulários.
“Os documentos constantes das fls. 07-08 da inicial indicam claramente que o Exército indaga acerca da participação de conscritos em movimentos sociais, religiosos e políticos. Mesmo que o documento de fl. 10 da inicial afirme que o formulário utilizado em Jataí não é modelo utilizado nacionalmente, e que os modelos sofrem adaptações em cada região, não esclarece em quantas regiões é usado e tampouco esclarece se há um controle sobre esse conteúdo, restando claro que este procedimento pode estar ocorrendo em diversas regiões do país, podendo, inclusive, espelhar um pensamento de parcela relevante do quadro do Exército Brasileiro”, destacou o magistrado.
“Neste procedimento de admissão de pessoal, há de externar-se uma vontade administrativa, que não deve se importar com opções individuais políticas e religiosas, irrelevantes para a aferição do mérito na administração pública. A livre manifestação do pensamento não pode gerar prejuízo a quem pretende legitimamente disputar uma função pública”, esclareceu.
Vieira Neto ponderou ainda que o questionamento oral ou por formulários, acerca da opção individual política e religiosa, “viola o comportamento administrativo”, esperado pelos órgãos públicos e determinado constitucionalmente, “uma vez que propicia que os selecionadores afastem da admissão as pessoas que não “lhes agradam” ideologicamente, politicamente, socialmente ou no aspecto religioso, fazendo prevalecer a vontade privada em detrimento da vontade pública”, completou determinando por fim a uniformização do processo de seleção de recrutas.
Em caso de descumprimento, o Exército Brasileiro terá que pagar multa no valor de R$ 10 mil para cada violação comprovada.
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