Enquanto as marcas ocidentais cobrem os nadadores dos pés ao pescoço com maiôs tecnológicos, a comunidade islâmica tenta uma nova revolução: o burquíni, neologismo que mistura biquíni com burca, vestimenta mais restritiva, cobrindo toda a mulher, só deixando os olhos à vista.
Criado pela estilista libanesa Aheba Zalvetti, para que as mulheres tivessem a chance de freqüentar a praia ou mesmo praticar esportes sem desrespeitar a cultura muçulmana, o traje é composto por uma espécie de véu, calça longa e uma blusa de manga comprida – apenas o rosto e os pés ficam descobertos – e é usado pelas mulheres na prática de esportes como natação, vôlei de praia e futebol de areia.
“O burquíni tem um tecido muito versátil para a prática de esportes. Temos feito muitas vendas para surfistas muçulmanas que competem profissionalmente”, afirmou Oliver Momeni a gerente da única loja que vende o traje de banho muçulmano, a Bodykini Sportwear, que é dividido em duas peças e usa tecnologia parecida ao das roupas esportivas.
A federação iraniana de natação, por exemplo, que nunca enviou nenhuma mulher às Olimpíadas, já adotou um uniforme inspirado no burquíni como uniforme oficial para competições internacionais. O biquíni muçulmano só será deixado de lado no Mundial de Jogos para Mulheres Muçulmanas, que por ser um evento fechado às mulheres, as permitem usar a roupa que quiserem.
“Muitas muçulmanas estavam privando de se divertir e exercitar por causa da falta de um traje adequado. E a nossa religião incentiva as mulheres muçulmanas a praticar esportes, contanto que elas estejam vestidas apropriadamente. Usando um traje, como o burquíni, que preserva o corpo da mulher, não vejo problema delas participarem de competições internacionais.”, explicou o xeique Jihad Hammadeh, vice-presidente da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica no Brasil.
Na cultura islâmica a mulher é obrigada a usar o véu, se preservando dos olhares de homens estranhos. “Ela precisa se cobrir, pois sua beleza pode tentar apenas o marido, assim como o homem não pode cobiçar outras mulheres. O uso do véu preserva a união familiar e a fidelidade matrimonial.”, conclui o xeique.
Recentemente, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, durante pronunciamento oficial, questionou a necessidade de levar atletas mulheres para os Jogos de Pequim, devido ao papel que representam na cultura islâmica, remontando um quadro pouco animador àquelas que sonham com uma medalha em competições internacionais, como as Olimpíadas.
Para o xeique, esta é uma visão muito conservadora. “Depende de cada país. O presidente iraniano pertence à ala mais conservadora. A partir do momento em que há um traje apropriado à prática do esporte, não vejo problemas em elas competirem”, concluiu.
As Olimpíadas de Sydney-2000 marcaram o centenário da participação das mulheres, que estrearam em Paris-1900. Desde a primeira participação de uma mulher em olimpíadas, muitos avanços ocorreram. Àqueles primeiros uniformes, comportados, foram sendo substituídos por peças mais ousadas. Hoje em dia, o contingente feminino ocupa 40% da Vila Olímpica.
Indo contra os avanços, o burquíni, além de largo, cobre totalmente o corpo da mulher. Se este traje começar a ser aceito em competições oficiais, regras como a do vôlei, que exige que a parte debaixo do uniforme fique até cinco centímetros além das nádegas, terá que ser burlada, para a tristeza de muitos.
Para Atenas-2004, a Federação Internacional de Vôlei (FIVB) decidiu abrir uma brecha para as atletas muçulmanas: elas podiam usar roupas inteiriças por baixo da vestimenta curta oficial. Algumas atletas egípcias usaram camisetas de manga longa, meias, véu e bermudas compridas. Apenas o rosto e as mãos ficaram expostos durante o Mundial de Vôlei no Japão, em 2003, mas nada tão colado, como queria a FIVB.
Como não há trajes apropriados para a prática de algumas modalidades, a presença da muçulmana em competições internacionais ainda se limita àquelas modalidades que o uso do xador seja permitido. Tiro com arco, canoagem, taekwondo e vôlei são os esportes olímpicos mais praticados por elas.
Porém, engana-se quem acredita que estes esportes sejam recorde de audiência entre elas. A atiradora Nassim Hassanpour, única iraniana a participar das Atenas, só optou pelo tiro com arco, porque usar o uniforme de ginástica artística estava fora de questão. Já a velocista Ruqaya Al Ghasara, do Bahrein, presença garantida em Pequim, sempre sonhou em ser velocista e, depois de ajeitar sua hijab, véu usado pelas muçulmanas, antes de largar para a final dos 200 m dos Jogos Asiáticos de 2006, em Doha (Qatar), ganhou a inédita medalha de ouro.
Seu traje deixava à mostra as mãos e parte do rosto, mas o mais interessante era o símbolo da Nike, patrocinadora da atleta, em seu véu. Em entrevista à época, a velocista afirmou que o véu não era um obstáculo ao seu desempenho. “Mostrei que usar o hijab não é nenhum obstáculo. Com ele conquistei meus melhores tempos e consegui a classificação para o Mundial de Osaka [no Japão, em 2008]”.
Atletas como estas são prova viva de que as mulheres muçulmanas não precisam desistir da sua cultura para praticar esportes. Mesmo sem ter trajes esportivos que se adéqüem à cultura, pouco incentivo financeiro e poucos centros de treinamento, elas ainda conseguem se destacar nas modalidades que praticam. Segundo o xeique Jihad Hammadeh, as mulçumanas possuem incentivos no esporte. “O problema está nas regras islâmicas que precisam ser seguidas”.
Al Ghasara, que disputa com um uniforme feito sob medida pela empresa Nike, acredita na tradição de sua cultura e tem esperanças para que um dia isso mude. “Usar a roupa tradicional muçulmana só me fortalece. Não é um obstáculo ao meu desempenho. Muito pelo contrário”, durante coletiva realizada logo após a sua conquista do ouro em Qatar.
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