Cinco mortes de moradores de rua por causa do frio já foram registradas em São Paulo no mês de junho: uma no bairro do Belém, na zona leste, duas em Santana, na zona norte, uma na Avenida Paulista e outra no Bom Retiro, na região central.
Para piorar a situação das pessoas desabrigadas, denúncias apontam que GCM (Guarda Civil Metropolitana) e outros agentes ligados à Prefeitura estão retirando, por ordem de uma política “higienista”, seus cobertores, colchões e até pedaços de papelão que utilizam para se proteger do frio.
Os moradores de rua da Praça 14 Bis, região central, já se organizam para evitar as operações conhecidas como “rapa”. Pouco antes das 7h, eles se levantam para desarmar seus abrigos feitos com caixas de papelão. Caso contrário, os GCMs jogam tudo fora.
“Só esse ano já ocorreu três vezes. Em uma, levaram até meu RG, dentro de uma mochila”, disse Marlaine Regina Sposito, de 41 anos, que vive há um ano na Praça 14 Bis. “O rapa chega e manda a gente tirar tudo de debaixo da laje de onde dormimos”, acusou.
Marlaine, que está tratando uma pneumonia, fica sem proteção do frio durante o dia. “O rapa manda a gente e ir para o outro lado da praça. Se chove, paciência, a gente tem de ficar no frio, sem cobertura”, lamenta a mulher.
“Eles levam o pouco que a gente tem, e nesses dias tem feito muito frio. Venta demais e a gente quase congela. Aí acordamos com medo de perder nossas coisas na manhã seguinte”, acrescentou José Carlos Gomes, de 56 anos, há cinco morando na rua.
De acordo com João Clemente de Souza Neto, cientista social e professor do Mackenzie, esses depoimentos mostram que a assistência à população de rua na cidade de São Paulo tem praticamente um caráter de polícia, e não social.
“A GCM não deveria fazer as abordagens aos moradores de rua, ela não é preparada para isso. Seria diferente se houvesse alguma transgressão de lei, mas se a pessoa está sentada ou deitada em um local que o poder público considera não ser adequado, quem deveria fazer a abordagem e tentar o convencimento para que aquela pessoa saia, são os agentes da assistência social”, disse ele.
“A GCM tem mais o caráter de repreensão do que de pedagógico. E a partir do momento que alguém tira o cobertor de um morador de rua, que é sua posse, está tirando o que pertence à pessoa. E se ela não roubou aquilo, a atitude está completamente equivocada”, acrescenta o professor.
Agentes retiram seus cobertores, colchões e até pedaços de papelão. (Foto: Almeida Rocha/Diário SP)
A atuação da GCM vai contra os esforços de diversos grupos de assistência social ligados à igrejas, como o Pão da Vida. "Além de não trazer resultados, essa política da prefeitura para forçar moradores de rua a saírem das vias públicas é completamente cruel em dias de frio intensos, como os que estamos passando", avalia Luana Novaes, membro do grupo.
"Nós, como igreja, não queremos que essas pessoas permaneçam nas ruas e usamos nossos recursos para resgatá-las. Mas até que isso não aconteça, vamos permanecer levando uma palavra de esperança e um amor que aquece, através de alimentos e cobertores", complementa.
“Desfavelização”
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), anunciou nesta terça-feira (14) que deu "ordem expressa" para que o comandante da Guarda Civil Metropolitana abra procedimentos administrativos para investigar todas as denúncias.
Segundo Haddad, a única orientação dada aos guardas é que evitem que moradores de rua montem habitação em praças públicas. Isso significa que a GCM está autorizada a recolher o que o prefeito definiu como "material de cafofo", como barracas, sofás e armários. "A ordem é não deixar favelizar as praças públicas. É só esta a orientação".
"Nós fizemos a desfavelização de 17 praças públicas na cidade de SP, sem nenhum higienismo. Todo mundo que tava na praça foi acolhido pelos equipamentos da prefeitura. O que estamos tentando impedir é essa refavelização”, disse Haddad. "Os barracos foram removidos, não os moradores. É diferente".
Problemas no albergue
A maior parte dos moradores de rua admite que prefere passar suas noites na via pública do que em albergues públicos, segundo apuração feita pelo Diário de São Paulo. Entre os motivos, estão a impossibilidade de dormir no mesmo edifício do que o parceiro (no caso homens e mulheres), a distância dos equipamentos da Prefeitura e a insegurança desses equipamentos de proteção.
O malabarista e pirofagista Fabiano Ferreira de Sousa, de 30 anos, diz que prefere dormir debaixo do canteiro central da Avenida Cruzeiro do Sul e correr risco dentro de um albergue. No último dia 25, ele teve a mochila, dinheiro, documentos e roupas furtados dentro de prédio da Prefeitura.
“Fui dormir e deixei a minha mochila do lado da cama. No dia seguinte, eu acordei e não a vi mais. Perguntei para quem estava ao lado, mas ninguém tinha visto quem pegou. E o albergue é cheio de câmeras, que aparentemente não servem para nada. Fui na delegacia e fiz um boletim de ocorrência, mas continuo sem nada”, desabafou. “Por isso é melhor dormir na rua. Aqui, pelo menos, eu conheço as pessoas que dormem do meu lado.”
De acordo com a Prefeitura, o centro de acolhida de Santana conta com bagageiro justamente para que os moradores possam guardar seus pertences, e a equipe de segurança faz rondas frequentes.
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