Vaticanistas italianos dizem acreditar que uma mudança histórica nas normas da Igreja Católica sobre o uso da camisinha está próxima, com a autorização do preservativo dentro do casamento, no caso de um dos parceiros estar contaminado pelo vírus HIV.
O assunto começou a ser discutido com autorização do papa Bento 16. Em abril do ano passado, ele encomendou uma pesquisa sobre os aspectos morais e científicos do uso dos preservativos a Javier Lozano Barragán, presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral da Saúde.
O órgão é responsável pelo estudo das ações e propostas da política vaticana sobre medicina na cura dos doentes e temas como sexualidade, prevenção da gravidez e aborto.
Segundo o cardeal mexicano Barragán, a análise com dados sobre o tragédia da Aids no mundo já foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé, (o antigo Santo Ofício, cuja função é a de promover e tutelar a doutrina da fé e da moral em todo o mundo católico).
Atualmente, a posição oficial do Vaticano permanece a mesma: proíbe os católicos de utilizar qualquer método contraceptivo, mesmo para evitar a transmissão do vírus HIV entre parceiros casados.
Recomenda a fidelidade dentro do casamento ou a abstinência sexual como a melhor maneira de combater a Aids.
“Verdadeira bomba”
Fora do Vaticano, quem leu o estudo da Pastoral da Saúde, acredita que o conteúdo do documento é tão polêmico que ele nunca será publicado ou discutido na sua totalidade.
A revista “L’espresso”, em sua última edição, classifica o documento como uma verdadeira bomba.
“É um livro grande com 300 páginas ricas de gráficos, diagramas e tabelas. Contém muitas informações sobre doenças infecciosas nos países em desenvolvimento e questiona o que fazer. Sobretudo, diante do flagelo da Aids e o pedido de bispos africanos e sul-americanos para a liberação do uso do preservativo”, diz a revista.
Sandro Magister, vaticanista da “L’espresso”, diz que a Igreja Católica não modificará a doutrina moral atual.
“O consentimento será apenas para o caso concreto no casamento: quando o uso da camisinha tem a intenção de proteger o parceiro saudável do contágio do vírus da Aids”, afirma Magister.
“Não tem nenhum sentido o Vaticano autorizar o uso de preservativos em relações sexuais fora do casamento. Isto não aconteceria, porque este tipo de relacionamento não tem o consentimento da igreja”.
Castidade
A igreja continua não reconhecendo que alguns países tiveram sucesso em controlar a Aids contando com as camisinhas para reduzir a transmissão.
“Nos últimos anos, a estratégia de difusão dos preservativos nos países africanos perdeu crédito com a pesquisa científica séria e até com a população, porque não ocorreu nenhuma diminuição do contágio, que cresce ano a ano”, disse à BBC Brasil o presidente da Pontifícia Academia para a Vida, monsenhor Elio Sgreccia.
“O único sinal de êxito ocorreu quando o governo e a igreja trabalharam juntos numa mudança de comportamento, com a defesa da castidade antes do casamento e a fidelidade depois.”
Na avaliação do vaticanista Ignazio Ingrao, é importante que uma questão tão delicada esteja sendo tratada. A possível mudança na postura do Vaticano, segundo ele, deve ser considerada como um avanço técnico.
Não está por vir nenhuma mudança radical que apóie, por exemplo, a posição do governo brasileiro, que tenta promover o sexo seguro através do uso de camisinhas.
De acordo com Ingrao, apesar de vários altos representantes da Igreja Católica defenderem mudanças mais significativas, a única abertura ao uso da camisinha será mesmo na circunstância de proteção da vida dentro do casamento, se um parceiro estiver infectado com o HIV ou doente com Aids.
Marco Politi, especialista em Vaticano do jornal “La Repubblica”, concorda com Ingrao. De acordo com ele, o Vaticano deverá dizer que preservativos poderão ser usados como um mal menor, apenas neste caso específico.
“Independentemente do que o papa decidir, não acredito que seja publicado um documento específico sobre o uso dos preservativos”, diz Ingrao.
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