Documentos de identidade parecem ser inofensivos, mas ativistas que estão tentando retirar a informação sobre a religião nesses documentos dizem que eles estão por trás de muitas mortes.
"Pessoas morrem em conflitos sectários porque a religião é mencionada nos documentos", disse a ativista Maya Safira, que lidera uma organização não governamental que visa auxiliar os indonésios.
O Movimento de Integração Nacional de que Maya Safira participa quer que a religião seja retirada dos documentos porque a Indonésia - predominantemente muçulmana - tem uma história de conflitos religiosos.
"Estamos preocupados com essas divisões", disse ela à AFP na sede do Movimento em Jacarta, onde símbolos religiosos estão espalhados pelas paredes para indicar que todos são bem-vindos à organização.
Uma lei aprovada em 2006 pede que a religião seja especificada nos documentos de identidade, apesar do fato de que forçar pessoas a revelar sua fé seja uma violação aos direitos humanos básicos.
Na nação arquipélago com 17.000 ilhas também existem crenças religiosas minoritárias que, segundo críticos, não são registradas pela lei.
Isto porque a Indonésia reconhece oficialmente somente 6 crenças: islamismo, catolicismo, cristianismo, budismo, hinduísmo e confucionismo.
Triste memória
Para os que seguem outras crenças, tais como animismo ou crenças tradicionais de sua região, nada consta em seus documentos, já que praticam uma religião não reconhecida oficialmente pelo governo.
Embora a maioria no país viva pacificamente, apesar das diferenças religiosas, muitos indonésios não vivem assim. Diferenças religiosas podem levar a um conflito fatal, como aconteceu em março, quando militantes islâmicos foram condenados a 20 anos de prisão por decapitarem três estudantes adolescentes cristãs.
Este terrível ataque, realizado por uma gangue munida de um facão, aconteceu na ilha Sulawesi, em Poso, cidade dividida por motivos religiosos. A tragédia atraiu protestos do mundo todo, inclusive do papa.
Os conflitos sangrentos fazem com que as pessoas pareçam muito diferentes de como se espera quando se observam as religiões estampadas em seus documentos de identidade.
Para Yudanegara, que usa somente um nome, tudo que marca divisão religiosa traz de volta memórias horríveis. Seu irmão faleceu no ano de 1999 em um conflito muçulmano-cristão na ilha Ambon, dentro da prisão Maluku.
"Cerca de 50 a 60 pessoas da cela do meu irmão foram queimadas até a morte trancadas em um quarto", contou à AFP. "Meu irmão era hindu, não tinha nada a ver com as duas religiões em conflito, mas mesmo assim foi uma vítima".
A violência causada pela religião custou a vida de milhares de indonésios.
Durante os conflitos religiosos nas cadeias mais de cinco mil pessoas morreram e muitas outras foram deslocadas.
Discriminação cotidiana
A violência não é o único problema, mas críticos dizem que os documentos podem incentivar a discriminação no dia-a-dia.
Permadi, membro do Parlamento Indonésio que também usa somente um nome, segue uma crença tradicional conhecida como Aliran Kepercayaan. Sua religião não deveria estar registrada em seu documento, mas funcionários do governo colocaram em sua identidade a religião islâmica.
Mesmo assim, ele conta que as autoridades se recusaram a registrar o casamento de sua filha através de uma certidão que legalizasse a união.
"Se recusaram a registrar o casamento de minha filha simplesmente porque sou praticante de uma religião indígena", disse ele. "Sou prova viva da discriminação contra crenças minoritárias".
Suma Mihardja, do LBH Rakyat, um grupo ativista legalizado, disse que pessoas que praticam religiões que não são oficialmente reconhecidas geralmente não conseguem documentos como certidões de casamento, nascimento, morte e residência.
LBH Rakyat e ativistas de direitos humanos têm pedido ao governo para retirar a religião dos documentos.
Dawam Raharjo, muçulmano moderado que pertence ao Muhammadiyah, grande organização islâmica, disse que a nação se beneficiaria com essa mudança. "Isso diminuiria a discriminação religiosa e a violência em todo o país", disse ele.
Outros declaram que pedir às pessoas que revelem sua religião é uma invasão de privacidade injustificável.
Abdurrahman Wahid, líder do Nahdlatul Ulama, o maior grupo islâmico da Indonésia, disse que os documentos são importantes para o governo, enquanto religião é um assunto pessoal. O governo não deveria interferir em assuntos de caráter pessoal.
"O islã não proíbe a remoção da religião dos documentos de identidade", disse ele. "Devemos atentar para isso porque podemos evitar que mais pessoas morram em conflitos religiosos."
Defensores da prática
Mas existem muitos que defendem a prática do governo indonésio mesmo diante das críticas.
Para o Ministro da Religião da Indonésia, Muhammed Maftuh Basyuni, obrigar a identificação da religião, em vez de dividir, incentivaria a harmonia entre os grupos religiosos.
Também ajudaria a assegurar que a pessoa está praticando sua religião de maneira adequada, já que seria mais difícil mentir sobre os princípios religiosos.
Outros defensores dizem que é muito simplista culpar os documentos pela discriminação religiosa ou pela violência.
Din Syamsuddin, o presidente da Muhammadiyah, disse que as causas dos conflitos religiosos incluem injustiça social e diferenças econômicas. Ele afirmou que somente países seculares omitem a religião nos seus documentos, e acrescentou: "Não precisamos fazer o que eles fazem".
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