Desde que cheguei, notei uma quantidade de cadeiras separas num local, sem que ninguém se sentasse nelas. Num auditório completamente cheio, não consegui entender o porquê daquelas cadeiras ali, vazias. O programa da noite de hoje foi aberto pelo grupo de referência do Comitê de Lausanne, do qual faz parte o brasileiro Valdir Steuernagel. Seu líder, Doug Birdsall, informou-nos que a delegação da China de fato não teve a autorização do governo para fazer a viagem até a África do Sul. Recebi um pedido de oração na semana passada, explicando que estavam tendo dificuldades para conseguir o visto de saída. Li e apaguei. Não dei quase nenhuma atenção.
Hoje, Doug nos contou que aqueles irmãos têm sofrido com a perseguição à igreja protestante séria da China e que, mesmo impedidos de vir até aqui, estavam orando por nós e nos mandaram uma carta com alguns textos bíblicos (Fp 1. 29; IICo 6. 3-10; Tg 1. 19; Jô 6. 10; Sl 42) e uma gravação de seu coral cantando “O Amor do Senhor pela China”. Chorei muito, muito mesmo. Leia os textos, leia a letra da música, deixe a sua melodia penetrar no mais profundo do teu coração e tente sentir o soco do constrangimento, como senti hoje à noite.
Enquanto não me dou nem ao trabalho de ler com atenção a um pedido de oração de irmãos preciosos que têm dado a sua vida de fato para a proclamação do Evangelho, eles nos mandam uma carta de oração e uma música de clamor.
A PESSOA
A noite já estava para terminar suficientemente profunda e emocionante depois dos vídeos das igrejas asiáticas, dos testemunhos de pessoas perseguidas e da carta da igreja da China, quando entra uma menina no enorme palco principal do evento. Pequena, franzina, oriental. Aparentava 16 ou 17 anos. Depois de tanto impacto e de um dia bem cansativo, não dou muita atenção. A voz doce e firme da menina vai ganhando meus ouvidos quando diz que nasceu na Coreia do Norte e teve que fugir com a família pelo fato de seu pai estar sendo perseguido pela ditadura. Refugiados na China encontram-se com Cristo e se convertem. Sua mãe, grávida do segundo filho, morre de leucemia. Em seguida o pai é descoberto, detido, deportado e preso na Coreia. Ela fica
sozinha e é cuidada por um pastor americano e sua família, que residia na China.
Poucos anos depois, seu pai é solto e volta para a China. O tempo de prisão não arrefeceu a sua fé, pelo contrário, serviu como combustível para inflamar seu coração para continuar vivendo e transbordando sua fé na Coreia do Norte, seu país. Pediu que a filha continuasse por um tempo com a família da China para que ele levasse um carregamento de Bíblias para a Coreia. Ele o fez, mas foi novamente preso e, dessa vez, executado.
Uma menina de 17anos, completamente órfã.
Quando a família se preparava para voltar aos EUA, a menina teve um sonho onde via Jesus. Ele a dizia: “Gyeong Joo, não tenha medo. Eu estou contigo e quero que vá para a Coreia do Norte falar do meu amor. Por que ainda está esperando?” Ela acordou decidida a ficar na China e a se preparar para voltar para seu país, compartilhar o amor de Deus que alcançou e transformou sua família.
Pergunto-me. Depois de tanto sofrimento e desgraça, como uma menina tão nova, tão frágil, consegue ver a beleza do amor de Deus a ponto de entregar-se até às últimas consequências? Só quem conhece de fato esse amor saberá me responder.
Ela terminou dizendo: “Vou para a Coreia do Norte expressar o amor de meu Deus, honrar o sangue de meu pai e o de meu irmão, Jesus Cristo.”
Silêncio. Ela começa a chorar. O rosto de menina do início, que se transformou no de uma heroína enquanto contava sua história, voltou a ser rosto de menina enquanto chorava. Chorei junto com ela. Queria muito abraçá-la bem apertado, enxugar suas lágrimas e lavar seus pés. Um pastor chinês o fez e senti-me representado.
Escrevo ao lado de minha cama, mas não tenho coragem de deitar-me nela. Como um ato simbólico de honra aos meus irmãos chineses, vou me deitar e dormir essa noite no chão. Como ato simbólico de honra e amor pela pequena coreana, derramo as minhas últimas lágrimas da noite.
Gyeong Joo Son só tem 17 anos, mas o mundo não é digno dela.
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