No Congresso Financeiro da Igreja Universal do Reino de Deus, procura-se, a todo o custo, solução para a vida econômica. No Templo Maior, tudo pode estar em crise como a vida lá fora. Menos a fé.
Se não imagina Coco Chanel numa sessão da Igreja Universal do Reino de Deus, descanse. Provavelmente, a lendária estilista também não. Mas ela anda por aqui e não está sozinha. Ferdinand Porsche, Enzo Ferrari, René Lacoste, Levis Strauss fazem-lhe companhia. As marcas, e o seu incalculável valor actual, formam rebanho no Templo Maior, em Marvila.
Em mais uma sessão do Congresso Financeiro, os mandamentos, ou colunas, para uma vida bem-sucedida, prometem inspirar os presentes. São em menor número do que os dois mil lugares de lotação reservados aos fiéis. As cadeiras vazias explicam-se com outra etiqueta de referência: Sport Lisboa e Benfica. A águia não está em palco. Está em campo a disputar uma partida. E isso diz muito. ‘Quando há jogos, também há menos afluência. Pensam que somos pessoas diferentes, mas também vamos ao futebol, ao cinema’, justifica um dos pastores.
O horário coincide com o jantar. No Templo alimentam-se os ânimos. Há quem lhes chame ‘palestras motivacionais’ num contido eufemismo escutado por portas e travessas. Aqui, o ‘orador’ é bispo. Alfredo Paulo segura o microfone com os dedos mestres de um entertainer nato em mangas de camisa. ‘Jesus Cristo é o Senhor’. Mesmo num neón laranja. O discurso inflamado condensa referências bíblicas, conselhos, exortações. E verdadeiros momentos de peculiar humor que arrancam gargalhadas da assistência. ‘Dinheiro para comida o seu marido não tinha, mas para a cachaça sim!’, responde a uma fiel, Felizarda. Que antes de ser não o era.
A melhor desgraça é a que se ri de si própria. E a que sabe dar a volta por cima. Fica provada a evidência de que o espírito ‘devorador’ acaba por ‘gastar dinheiro com vícios’. Uma prova menor, comparada com os desígnios divinos. ‘A única vez que Deus nos convida a dar uma prova é com o dízimo.’ Depois das noites da ‘Parceria com Deus’, ‘Atitudes Positivas’, ‘Superação’, ‘Investimento’ e ‘Perseverança’, a da ‘Visão’. Procura-se ‘uma solução para a vida económica’ , com direito a interlúdios musicais que entram nos ouvidos com tantos decibéis quanto a injecção de fé.
Para desvanecer qualquer dúvida, um testemunho ‘in loco’. O casal Domingos e Augusta levanta-se. E com eles põe-se de pé uma das receitas possíveis para a prosperidade. ‘Não tínhamos nada, mas fomos juntando e conseguimos chegar ao topo.’ As imagens projectas no ecrã exibem o sucesso da escalada. E o alpinismo social da garagem. Domingos não tinha negócio próprio e andava a pé. Hoje, tem uma loja de artigos de desporto e sete carros. As bocas deixam escapar o espanto. Quem não quer matar a fome com fartura?
O Congresso junta pastores e esposas de todo o País, em aprumados fatos e gravatas que em tudo lembram as fardas de uma companhia aérea. Também os fiéis se deslocam de longe. De chinelo no pé ou salto agulha. Novos, velhos, crianças. Brancos, negros. O auxílio estende-se a todos. E a tudo. Até aos sacos das compras. ‘Eu não podia nem com um quilinho de batatas! Estou aqui há 14 anos e tenho tido muitas bênçãos! Maria de Jesus. 71 anos. Apologista convicta do dízimo. ‘É muito bom. Com 500 euros dá-se 50. E o dinheiro é muito bem abençoado.’ E quanto mais possa ser separado. Porque, afinal, o tamanho importa mesmo. ‘Posso fazer um voto com uma quantia inferior, mas Deus não quer coisas pequeninas’, sentencia a reformada, que chegou a fazer uma ‘corrente pela filha’ às terças-feiras, descrente de quem jura por Hipócrates. ‘É Deus quem cura, não são os médicos.’ O negócio não tem idade. ‘Não tenho empresa, mas gostava de abrir um cabeleireiro. Espero que Deus me abra as suas portas. Tenho uma filha cabeleireira, ficava tudo em família.’
A família nem sempre vê com bons olhos a devoção. No final de mais um congresso, Benvinda, 51 anos, ainda tem tempo para um depoimento curto para a TV Record, que transmite todas as sessões. ‘O meu marido dizia que eu ia para a igreja dar dinheiro. Foi difícil de aceitar. Vendi o meu quiosque na Amadora, o que foi uma bênção. Todos pensavam que não ia conseguir. Foi aí que lhe deu o clique.’ O companheiro rendeu-se às ofertas como Benvinda. Como quem usa lente bem graduada, comenta: ‘Vejo bem o dízimo. Tornei–me dizimista ao fim de seis meses. Frequenta as sessões há dois meses. A Igreja há 16 anos. ‘Havia o cinema Alvalade.’ Hoje, é em Carnaxide que a antiga ‘católica, não praticante’, assiste ao culto. As segundas-feiras no Templo Maior são sagradas, mesmo que impliquem deslocação de Linda-a-Velha. ‘Tinha a vida destruída, o casamento por um fio. Consegui solucionar com muita fé que ia dar a volta. E foi uma volta de 180 graus.’ Longe vão os tempos em que achava ‘que era tudo uma fantochada.’ Benvinda está em casa, à espera de abrir um negócio, com o fito num ramo certo. ‘Quero ter um café.’ ‘Você vai trazer cartão da empresa. Deus vai fazer surpresa grande’, anuncia o bispo. Para Ângela, não é surpresa que muitos saiam mudos e quedos das sessões, indisponíveis para abrir a alma aos jornalistas. ‘Quem não fala é porque não tem tido bênçãos’, justifica sem hesitar. ‘Tenho muita fé em Deus e temos de alcançar o que podemos. Há sete anos a empresa onde trabalhava ficou a dever-me dinheiro. Até hoje. Aqui vou conseguir. Deus vai abençoar–me’, acredita. Desempregada das limpezas, frequenta a IURD há sete meses, em São João do Estoril. O número de vezes que a faca se cruzou consigo, e que o golpe – divino – foi desferido com tino, dá força adicional. ‘Tenho 11 operações e Deus curou-me de tudo.’
Nem só de trabalho e dinheiro vive a motivação de quem frequenta o Congresso. ‘É a fé e a esperança.’ São elas que movem Ester, cortadora de calçado, e o marido, Ricardo. As maiores de todas têm o nome da filha: Maria da Luz. O pai nunca atendeu a pregações, ‘gozava com tudo’. Quando a bebé nasceu, prematura, há 18 meses, o par de Casal de Cambra repensou o cepticismo. ‘Desde que entrei aqui ela conseguiu ficar bem. Hoje só vai a consultas de rotina.’
‘Quem crê em Abraão?’ Erguem-se os braços. Mãos entrelaçam-se. Bocas sibilam ladainhas fervorosas. Os olhos cerram-se numa promessa de fé. E num presente. Quando é de negócios que se fala, a conversa envolve dinheiro. ‘Vai dar uma oferta de cem euros ou mais. Não vai dar menos!’, pede o bispo. A maioria levanta-se em peso e acorre à fila para recolher o envelope onde depositam as ofertas. ‘Se não tem fé, não faça. Não é obrigado’, acrescenta, qual tranquilizante de feito retardado. Se a esmola é muita, ‘Ele’ não desconfia. Pelo contrário. Agradece.
“EXORTAÇÃO DA FÉ EM TEMPO DE CRISE”
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