Autor de livro que a igreja Bola de Neve tentou proibir desabafa
Segundo a matéria da revista IstoÉ, a doutrina da Bola de Neve tenta controlar a rotina dos frequentadores em todas as áreas,
A polêmica que envolve a Bola de Neve e a briga judicial que a denominação protagoniza na tentativa de tirar de circulação o livro A Grande Onda Vai te Pegar – Marketing, Espetáculo e Ciberspaço na Bola de Neve Church, publicado pela Fonte Editorial, continua atraindo holofotes da mídia.
Com teor analítico, a revista IstoÉ publicou essa semana uma reportagem especial sobre o assunto, traçando um perfil dos frequentadores da igreja e da própria liturgia da igreja.
A respeito do polêmico livro, Eduardo diz que foi membro da Bola de Neve entre 2005 e 2006, chegou a concluir o curso de líderes de células, mas um desentendimento com um superior o levou a não assumir a função, e desde 2009 passou a publicar trabalhos sobre a igreja, sempre com informações repassadas por pessoas que ainda fazem parte da membresia.
Uma das estratégias da denominação seria, segundo o autor, atrair jovens universitários e assim, estabelecer uma conexão com grupos mais arredios à fé: “Querem formar crianças, adolescentes e universitários cristãos. O objetivo é mudar para perto das universidades para ter gente deles dentro da academia e falar da igreja dentro e fora da instituição. É proselitismo forte”, conta Eduardo.
O livro que a Bola de Neve tenta proibir de circular surgiu de sua dissertação de mestrado, que levou oito anos de pesquisa e foi defendida na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESCC) em 2010.
A primeira tentativa de proibição da publicação do livro aconteceu na Justiça, e como essa estratégia não foi bem-sucedida, a intimidação, de acordo com Eduardo, foi pessoal: “Se você lançar, publicar ou divulgar o livro, vai ter problemas”, disse um advogado da igreja ao autor durante o evento de lançamento, no último dia 30 de outubro.
A advogada da igreja, Tais Amorim, não nega o episódio e argumenta que esse encontro foi uma tentativa da Bola de Neve de negociar amigavelmente com Maranhão Filho. “A obra trata da entidade como uma agência mercadológica. Essa não é a igreja Bola de Neve. Ela não tem nenhuma estratégia de atuação, de marketing, para crescimento. As estratégias são divinas”, afirma.
Com o insucesso na tentativa de barrar o livro, a igreja diz, de acordo com a IstoÉ, que não faz planos para continuar tentando impedir a publicação. Na proposta mal-sucedida, a igreja pedia que Eduardo suspendesse o lançamento, retirasse de circulação todos os seus artigos que mencionam a igreja desde 2009, excluísse a fanpage do livro no Facebook e não voltasse a usá-la como tema de seus trabalhos científicos, além de estipular uma multa de R$ 50 mil caso o livro fosse lançado e uma multa diária de R$ 10 mil após o lançamento. “Seria o início de uma mordaça cristã em relação a trabalhos sobre evangélicos?”, questiona o autor.
Confira a íntegra da matéria da revista IstoÉ abaixo:
O que a bola de neve quer esconder
Igreja evangélica da prancha de surfe, frequentada basicamente por jovens, tenta censurar livro que revela o conservadorismo por trás do discurso aparentemente liberal de suas lideranças
A Igreja Bola de Neve Church se inseriu no mercado das igrejas evangélicas brasileiras sob a aura de uma instituição religiosa amparada por uma embalagem contemporânea e liberal. É assim desde 1999, quando o surfista Rinaldo Luiz de Seixas, 41 anos, o apóstolo Rina, transformou em púlpito a prancha de surfe e abriu as portas de suas unidades, que hoje somam cerca de 200 e têm 60 mil fiéis. Mas, desde o mês passado, com o lançamento de “A Grande Onda Vai te Pegar – Marketing, Espetáculo e Ciberspaço na Bola de Neve Church” (Fonte Editorial), livro que investiga essa igreja composta majoritariamente por jovens de classe média e alta, em sua maioria internautas e fãs de gêneros musicais como reggae, rock, rap e hip-hop, ganhou evidência a filosofia de conduta conservadora com que a denominação tenta controlar o cotidiano de seus fiéis. Os pastores interferem nas escolhas dos parceiros amorosos e chegam a sugerir uma cartilha ‘informal’ sobre posições sexuais permitidas.
O historiador que assina a obra, Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, foi membro da Bola de Neve entre 2005 e 2006, chegou a ser aprovado no curso de líderes de células, mas, por desentendimento com um diácono, não assumiu a função. Desde 2009, ele publica trabalhos sobre a denominação religiosa e até hoje é abastecido com informações por pessoas da igreja. Para ele, o apego a uma leitura descontextualizada da Bíblia e o moralismo em relação a questões sexuais e de gênero são os principais aspectos que evidenciam o tradicionalismo da Bola de Neve. “Para namorar um rapaz – e só pode ser um rapaz –, uma moça tem de ter a concordância do líder de célula, pastor ou apóstolo”, diz Maranhão Filho, que fala, ainda, da existência de uma espécie de guia de conduta não escrito sobre as posições sexuais permitidas. “Neuza Itioka, uma palestrante externa do ministério Ágape e Reconciliação, foi à Bola ministrar um curso de cura e libertação e pregou: ‘A boca serve para comer, mas não para fazer sexo’.”
Especialista em marketing e comunicação social, Maranhão Filho expõe ainda uma estratégia da Bola de Neve conhecida apenas no meio religioso. Em Florianópolis, Santa Catarina, onde ele passou a ter contato com a denominação, líderes da igreja relataram a ele que há um grande esforço para que a evangelização foque com mais empenho na classe universitária. “Querem formar crianças, adolescentes e universitários cristãos”, diz. “O objetivo é mudar para perto das universidades para ter gente deles dentro da academia e falar da igreja dentro e fora da instituição. É proselitismo forte”, afirma o autor, cuja obra é resultado de oito anos de pesquisa, fruto de uma dissertação de mestrado defendida na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESCC) em 2010.
A dissertação deu origem ao livro e, com isso, veio à tona outro componente conservador da denominação evangélica: a censura religiosa. A Bola de Neve tentou barrar, na Justiça, a publicação da obra. Sem sucesso na esfera legal – a ação e um agravo de instrumento foram indeferidos por um juiz e um desembargador de São Paulo –, a Bola de Neve enviou à Universidade de São Paulo (USP), onde ocorreu o lançamento do livro no dia 30 de outubro, um advogado que, acompanhado de dois rapazes, disse, segundo o autor: “Se você lançar, publicar ou divulgar o livro, vai ter problemas.” A tentativa de censura prévia chocou a comunidade acadêmica. “No mês passado, durante a 17ª Jornada de Estudos da Religião da Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul, foi discutido o risco de um grupo religioso barrar pesquisas acadêmicas e científicas”, afirma o professor de pós-graduação em ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo, Leonildo Silveira Campos. Referência internacional em pesquisas sobre relações entre religiões, marketing e mídia, Campos resume o sentimento com essa manobra da Bola de Neve Church. “Há um medo por parte dos cientistas da religião de que a moda (da censura religiosa) pegue.”
Para Tais Amorim, advogada da igreja, essa ação não se trata de um episódio de intimidação, mas uma tentativa de negociar amigavelmente com Maranhão Filho a não publicação do livro, além de tomar conhecimento dele, adquirindo um exemplar. Ou seja, no mínimo, fica claro que a Bola de Neve entrou na Justiça sem ao menos conhecer o conteúdo completo da obra que repudiou. “A obra trata da entidade como uma agência mercadológica. Essa não é a igreja Bola de Neve. Ela não tem nenhuma estratégia de atuação, de marketing, para crescimento. As estratégias são divinas”, diz ela. Ironia do destino, o autor lançou sua obra em um simpósio internacional da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR), cujo tema era “Diversidades e (in)Tolerâncias Religiosas”.
Aparentemente resignada com o lançamento do livro, a Bola de Neve diz não ter intenção de continuar sua campanha contrária à publicação. A igreja pedia, além da suspensão do lançamento e do cancelamento do simpósio, que Maranhão Filho retirasse de circulação todos os artigos sobre a instituição, excluísse a fanpage do livro no Facebook e não fizesse mais nenhum tipo de menção a ela em trabalhos futuros. Mais: estipulava uma multa de R$ 50 mil caso o livro fosse lançado e uma multa diária de R$ 10 mil após o lançamento. “Seria o início de uma mordaça cristã em relação a trabalhos sobre evangélicos?”, questiona Maranhão Filho, que, depois de passar a ser vítima de ciberbullying e receber ameaças, procurou um advogado e a polícia para garantir sua integridade.
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