Na imprensa, a história ganhou o nome de “o caso da cristã Habiba Kouider”. É o nome de uma professora de 37 anos detida em Tiaret (a mais de 300 quilômetros de Argel) em um ônibus proveniente de Oran, na posse de um lote de Bíblias.
Ela foi processada pela “prática não autorizada de um culto não muçulmano”. O veredicto sobre seu caso era aguardado para hoje. Seis outros argelinos convertidos ao cristianismo deveriam comparecer no mesmo dia ao mesmo tribunal em Tiaret, onde responderiam por “difusão de panfletos cujo objetivo é alquebrar a fé dos muçulmanos”.
No curso do julgamento de Habiba Kouider, em 20 de maio, o procurador solicitou que lhe fosse imposta uma pena de 20 anos de prisão. A petição inicial e os documentos do processo publicados pela imprensa argelina escandalizaram parte da opinião pública do país.
Há meses existe inquietude quanto efeito de uma campanha contra o proselitismo evangélico no país, cujas conseqüências se estendem também aos católicos.
Um decreto publicado em fevereiro de 2006 combate aquilo que as autoridades religiosas argelinas denominam de “agressiva campanha evangélica”.
A atividade do movimento evangélico se traduz, na prática, em conversões religiosas. Mas a amplitude do fenômeno vem sendo exagerada pelos jornais argelinos, se levarmos em conta a minúscula proporção de cristãos, católicos ou protestantes, existente no país.
O decreto de 2006 prevê pena de dois a cinco anos de prisão para qualquer pessoa que “incite, constranja ou utilize meios de sedução na tentativa de converter um muçulmano a outra religião”, ou bem “fabrique, armazene ou distribua documentos impressos ou qualquer outra forma de apoio ou meio que vise a alquebrar fé dos muçulmanos”.
Os cristãos não contestam o direito das autoridades de enquadrar a atuação dos cultos não muçulmanos, já que elas também regem a operação das mesquitas.
Mas vêm percebendo que a aplicação da lei está sendo realizada sob interpretações cada vez mais elásticas. Foi por conta dessa lei que o padre Pierre Wallez, católico, que manteve contato com seitas cristãs clandestinas na região do Saara, na época do Natal, foi condenado a dois meses de prisão, com direito a sursis.
Diversas comunidades protestantes na província de Kabylie foram igualmente instruídas a suspender suas atividades. O antigo pastor metodista da Igreja Protestante da Argélia, Hugh Johnson, que morava no país há 45 anos, foi forçado a abandoná-lo.
O Ministério dos Assuntos Religiosos acusa a minoria evangélica de tentar “favorecer a ingerência estrangeira nos assuntos internos argelinos”.
Um argumento sensível em um país no qual a religiosidade islâmica jamais passou por momento tão delicado e onde certos segmentos da sociedade acusam o governo de atuar no plano religioso por motivos políticos, a ponto, dizem eles, de confundir a regulamentação de cultos com a de consciências.
Em 17 de março, intelectuais argelinos lançaram uma petição em defesa da “liberdade de consciência, sinônimo do direito individual a praticar, ou não praticar, a religião que preferir”.
De sua parte, o ministro Yazid Zerhouni, do Interior, observou que “muitos locais de culto e de oração, muçulmanos, cristãos e de outras denominações, foram fechados por falta de licença”.
O decreto de 2006 torna obrigatório obter licença antes de criar um lugar de culto. No entanto, como diz Ouredinne Beni Issad, vice-presidente da Liga dos Direitos Humanos argelina, Kouider “não foi flagrada difundindo sua religião. Ela está sendo processada por carregar material religioso”.
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