Um pastor evangélico de uma comunidade carente do Rio de Janeiro ganhou as manchetes recentemente por peitar a direção de uma das principais denominações pentecostais do país, a Igreja Deus é Amor.
Abelardo Lino Silva, 38 anos, ex-missionário no continente africano, voltou ao Brasil após 20 anos de trabalho no exterior em 2010, quando foi designado como pastor de uma filial da Deus é Amor na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
O destacamento, no entanto, durou apenas três meses. “Um dia, e eu ainda não sei qual é o motivo, a diretora, a filha do fundador, Débora Miranda, me ligou e me disse que não podia ser mais pastor da igreja. Desde então não retornaram mais minhas ligações”, disse o pastor, em entrevista ao jornal espanhol El Pais.
No que seria seu culto de despedida, o pastor revelou aos fiéis que teria que deixá-los por ordens superiores. Os fiéis se insurgiram e colocaram em prática uma revolução que, adormecida em seus corações, precisavam apenas de um motivo mais agudo.
No relato feito pelos fiéis à reportagem, eles se disseram cansados de ver seus dízimos e ofertas serem entregues integralmente à sede da denominação, em São Paulo. “É muito dinheiro, mas você não via que eles fizessem nada pela comunidade”, relatou o pastor Silva. À época, os fiéis precisavam levar de casa até rolos de papel higiênico, para que os banheiros pudessem ser usados.
Nesse cenário, os fiéis encorajaram Silva a resistir à sua deposição, e ele fundou uma nova denominação no mesmo templo. À frente da Igreja Pentecostal Missão de Resgatar Vidas, o pastor passou a usar os dízimos e ofertas para ampliar o imóvel, construindo dois novos andares, com salas para uma creche gratuita para que mães da favela que trabalham pudessem deixar seus filhos.
Além desse trabalho, a igreja passou a oferecer auxílio aos dependentes de drogas e fornecer merenda a jovens que frequentam o templo e invariavelmente seriam atraídos pelo tráfico de drogas para conseguirem sobreviver.
Até ajuda para fiéis com problemas para quitar o aluguel ou comprar remédios a igreja passou a oferecer. “É o único pastor presente. Daqui só saiu dinheiro por 20 anos. Tentaram nos tirar o único líder que fazia bem à comunidade, então resolvemos tirar a instituição e ficar com o líder. Tinha uma época que nem podíamos sentar nas cadeiras de tão quebradas que elas estavam. Fomos lesados e enganados. O certo seria que eles nos indenizassem agora”, contaram algumas das fiéis que estavam no templo no momento da entrevista.
O pastor expressou sua tristeza coma decisão da direção da Deus é Amor, pois ao longo de duas décadas havia dedicado seu tempo e vida para espalhar o Evangelho como representante da denominação.
“Quando voltei da África – disse o pastor, mostrando os selos no seu passaporte de Moçambique, África do Sul e Zimbábue – fiquei muito doente, um problema de estômago que eu sofro até hoje”.
Esse confronto pode estar próximo do fim, ao menos no que se refere à esfera judicial. A sentença mais recente da Justiça dava ganho de causa à Deus é Amor, decretando a reintegração do imóvel, mas como não se tem certeza da propriedade, o caso se arrasta.
A Deus é Amor argumenta que tem a posse, mas os moradores dizem que o espaço foi cedido à igreja, não transferido. A denominação pontua ainda que muitos fiéis cobram o retorno de sua filial na favela.
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