Pior que estuprar é abortar. Essa é a posição, definitiva, do arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, que aplicou o Código de Direito Canônico da Igreja Católica para excomungar mãe e equipe médica que atendeu menina de 9 anos, grávida de gêmeos, ao sofrer estupro do padrasto, de 23 anos.
A menina, com 1,36 metro de altura, 36 quilos, vinha sendo estuprada desde os seis anos, assim como a irmã dela, de 13 anos. Ela reside em Alagoinhas, a 227 quilômetros de Recife, e encontrava-se na 15ª semana de gestação. A mãe não sabia da gravidez da filha, e só tomou conhecimento do estado da menina porque ela sentia dores na barriga, tonturas e enjoos, e por isso foi levada ao médico.
“O risco maior seria a continuidade desta gravidez. Uma criança de 9 anos não tem ainda os órgãos formados”, declarou o diretor médico do Centro Integrado Amaury de Medeiros (Cisam), do Recife, onde a gravidez foi interrompida na quarta-feira, 4.
O procedimento foi legal, uma vez que a legislação brasileira permite o aborto em vítimas de estupro até a 20ª semana de gestação (na metade do ciclo normal) em casos de estupro e de acordo com avaliação médica.
Mas não está de acordo com a lei da Igreja Católica. “Está escrito no Código de Direito Canônico que qualquer pessoa que comete o aborto está automaticamente excomungada”, explicou o arcebispo de Olinda e Recife, enfatizando que ele não excluiu ninguém da comunhão da Igreja.
Os colegas dele da Regional Nordeste da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) acudiram em seu apoio. “Para nós, sempre terá precedência o mandamento do Senhor: ‘Não matarás!’” – afirmaram.
A CNBB declarou solidariedade “com esta e com todas as crianças vítimas de tamanha brutalidade”, repudiou de forma veemente “este ato insano”, defendeu rigorosa apuração dos fatos e punição ao culpado, mas não concorda com o desfecho final de “eliminar a vida de seres humanos indefesos”.
Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, perguntado por repórteres, pronunciou-se a respeito: “Como cristão e católico, lamento profundamente que um bispo da Igreja Católica tenha um comportamento conservador como esse. Não é possível permitir que uma menina estuprada pelo padrasto tenha esse filho, até porque a menina corria risco de vida”.
Em Roma, o chefe do Departamento do Conselho Pontifício para a Família, do Vaticano, dom Gianfranco Grieco, disse ao jornal italiano Corriere della Sera, que se trata de um tema muito delicado, mas reafirmou a posição da igreja, uma vez que ela não pode “nunca trair sua posição, que é a de defender a vida, da concepção até o seu término natural, mesmo diante de um drama tão forte, como a violência contra a menina”.
Os médicos, disse Grieco, estão, neste caso, totalmente em pecado “porque são ativos no ato do aborto. São protagonistas de uma sentença de morte”.
Solidária com a equipe médica do Cisam, a organização Católicas pelo Direito de Decidir se disse, em nota pública, assustada com o desprezo pela vida das mulheres.
“Pensamos que se configura como pura crueldade essa intransigente defesa de princípios abstratos e de valores absolutos que, quando confrontados com a realidade cotidiana, esvaziam-se de sentido e, principalmente, da compaixão cristã”, afirmam Católicas pelo Direito de Decidir.
Em entrevista ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, o professor Érico Hammes, do curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), lembrou que só quem tem mais de 16 anos pode ser excomungado.
Disse que a excomunhão automática está prevista na lei da igreja para quem comete aborto, mas admitiu que, na teologia moral se prevê o ato moral de duplo efeito.
“Não queremos promover o aborto, que seria simplesmente tirar o bebê, mas queremos salvar a vida da mãe e, com efeito, pode ocorrer a morte dele. A intenção não é abortar, é salvar a vida da mãe”, argumentou.
E acrescentou: “Se há risco de vida da gestante, não há como querer escolher muito. Pode até haver posições que defendam situações radicais, mas dificilmente se sustentam em uma reflexão saudável e ética”.
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