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A história do refugiado nortecoreano Lim Mose

Leia a seguir o depoimento de Lim Mose, um norte-coreano que fugiu para a China a fim de escapar da miséria de seu país. Ao ser capturado, Lim foi mandado para um campo de trabalhos forçados:
 
Nasci em 1973 na Coréia do Norte em uma família de três filhos. Meu pai era um alto membro do partido e dirigia uma fábrica do governo. Isso nos assegurava muitas vantagens. Nós éramos muito considerados pelas pessoas. Tínhamos uma casa maior do que a dos outros. Tínhamos até um carro. Nossa casa era luxuosa comparada com outras, mas se comparada com as casas na Coréia do Sul, não causava muita impressão. Era uma casa retangular, com cozinha, um quarto para os meus pais, outro para os filhos e um depósito de mantimentos. Os quartos tinham papel de parede branco e não havia qualquer decoração, exceto uma foto de Kim Il Sung em cada quarto. Tínhamos uma televisão e uma máquina de costura. Não tínhamos geladeira, mas felizmente podíamos nos dar ao luxo de comer arroz todos os dias.

Veneração

Uma foto de meu pai com Kim Il Sung ocupava um lugar de destaque em nossa casa. Meu pai relacionava seu emprego com o fato de ele haver lutado contra os japoneses. A foto foi tirada quando Kim Il Sung foi visitar a fábrica de meu pai.

No meu país, seu status cresce bastante caso você tenha se encontrado com Kim Il Sung ou Kim Jong Il. As fotos são tiradas como prova desse momento maravilhoso. As fotos de Kim Il Sung são as coisas mais preciosas de uma casa. A cada manhã, quando eu me levantava, eu primeiro ia ver o retrato de Kim Il Sung. Eu me ajoelhava e orava a ele. Antes de ir me deitar à noite, fazia a mesma coisa. As primeiras palavras que aprendi foram: Obrigado, pai Kim Il Sung. Eu aprendi a falar isso antes de mamãe ou papai. Durante grande parte da minha vida na Coréia do Norte, eu amava Kim Il Sung. Eu simplesmente não poderia imaginar a minha vida  sem ele. Minha mãe costumava cantar músicas sobre Kim Il Sung para nos fazer dormir. Eu não me lembro bem das palavras exatas, mas era algo como Siga Kim Il Sung. Ele mudará seu destino. Siga Kim Il Sung.

Líder

Graças a esse meu contexto, todo ano eu era eleito o líder da minha classe. Eu preferia dizer o representante da classe, mas na Coréia do Norte, você não é um simples representante. Você é realmente o líder. Meus colegas procuravam por mim. Eles me obedeciam. Eu não tinha que bater neles ou gritar, eles simplesmente faziam o que eu dizia. Eu sou bastante sociável, então posso rapidamente estabelecer relações com as pessoas. Apesar do fato de eu sempre ser escolhido o líder da classe, eu não achava que era mais importante que os outros.

Memórias vívidas

Tenho memórias vívidas da celebração de 16 de fevereiro e 15 de abril, as datas de aniversário de Kim Jong Il e Kim Il Sung. Todo ano, nossa classe ficava nervosa: o que podemos fazer esse ano de novo para agradar Kim Il Sung? Às vezes a escola organizava um dia de esportes, às vezes um concerto ou um musical. Mas a coisa mais animadora para nós era que, quase todo ano, nós recebíamos uma caixa de presentes. Geralmente havia um uniforme da escola para o verão e para o inverno. Havia também uma sacola com doces.

Depois do Ensino Médio, eu fui para a universidade em Pyongyang. Em 1989 eu me graduei. Depois eu fui fazer outro curso na universidade. Enquanto estudava, não precisei me unir ao exército. Outra memória que tenho aconteceu enquanto eu estava na faculdade. Todo norte-coreano tem duas vidas: uma vida física e uma vida política. Minha vida política começou de verdade na universidade. Eu me encontrei em um tipo de união de alunos.

Em certo ponto, todos os alunos recebiam fitas vermelhas. Elas também eram um presente de Kim Il Sung, em comemoração ao sangue dos norte-coreanos que morreram enquanto lutavam contra os imperialistas japoneses e norte-americanos. Por causa da minha criação, eu recebi essa fita muito antes dos outros alunos. Eu me gabava como um pavão! E primeiro eu tive que fazer um tipo de exame, que não foi difícil. Eu tive que recitar os mandamentos de Kim Il Sung. Não me lembro exatamente de quantos eram. É bem possível que sejam extamente dez...

Fuga

Na década de 1990, as coisas no meu país se deterioraram rapidamente. Houve fome. Em 1999, eu decidi ir ter com meus parentes na China. Eles poderiam arranjar comida e dinheiro, então eu poderia comprar comida de novo no mercado negro da Coréia do Norte. Fui à fronteira e telefonei para os meus parentes da China. Ninguém respondeu. Então eu decidi me arriscar. Era inverno e o rio Tumen estava congelado. Atravessá-lo era muito fácil. Eu fui então à cidade onde meus parentes viviam e encontrei uma tia.

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Primeiro contato com os cristãos

Eles tomaram conta de mim muito bem. Minha tia tinha muito contato com missionários e queria que eu conhecesse um deles. Eu não queria de forma alguma. Os cristãos eram pessoas más, os missionários em especial. Eles eram nossos inimigos. Mas eu havia vindo em busca do dinheiro, de outra forma não poderia sobreviver na Coréia do Norte. Então, por fim, concordei, porque tinha medo de não receber nada caso recusasse.

Quando encontrei o missionário, o cumprimentei educadamente. Mas, bem rápido, ele começou a falar sobre Jesus Cristo.

Não comece a falar disso", eu lhe disse. "Estou feliz em falar com você, mas não quero ouvir nada sobre religião. Todas as religiões são mentira. Eu não estava pensando claramente.

Por fim, o missionário me deu algum dinheiro, o equivalente a cem dólares. Ele disse: "A vida na Coréia do Norte é difícil. Procure Deus. Ele o ajudará.

O campo de trabalhos forçados

Um pouco depois, eu voltei ao meu país. Mas, não tive sorte. Na fronteira, fui pego pelos soldados norte-coreanos. Eles tomaram meu dinheiro e me mandaram para um pequeno campo de trabalhos forçados. Esse campo havia sido feito especialmente para os dissidentes.

Nas primeiras noite, eu fui trancado no depósito. Era muito frio e eu tinha que dormir no chão. Estava terrivelmente assustado. Não sabia que punição iria receber. No campo, eu não tinha permissão para me lavar ou escovar os dentes.

O campo era de mais ou menos cinco mil metros quadrados. Havia dois barracões, um para os guardas homens e outro para as mulheres. No meio do campo havia outros dois barracões para nós, os prisioneiros. Eles ficavam um próximo do outro, formando uma letra T. Os 50 prisioneiros homens tinham um barracão maior que o das mulheres.

Do lado de fora ficavam quatro banheiros imundos. Havia uma cerca alta em volta do campo. Só tinha uma entrada e, perto dela, uma torre de vigia. Nossa rotina diária era assim:

6 horas - Acordar
6h30 - Café da manhã
7 às 8 horas - Os guardas liam os artigos ideológicos nos jornais. Éramos dividimos em grupos para fazer nosso trabalho.
8 ás 18 horas - Trabalho na mina de carvão (com almoço por volta do meio-dia)
19 às 20 horas - Jantar
20 horas - Lista de chamada e confissão pública de como éramos transgressores. Durante a chamada éramos regularmente açoitados. Então, íamos dormir.

Depois de dois meses, eu fui libertado.

Manifestação em favor dos norte-coreanos

Neste sábado, 2 de dezembro, ao meio-dia, manifestantes de várias partes do mundo se reunirão em frente às representações diplomáticas da China para pedir às autoridades chinesas que não deportem os refugiados norte-coreanos capturados no país. O evento é organizado pela Coligação de Liberdade da Coréia do Norte, que espera contar com o engajamento de todos que se sentem sensibilizados por histórias como a de Lim Mose. Clique aqui para conhecer os detalhes dessa mobilização e para saber como participar.

Fonte: https://www.portasabertas.org.br/noticias/testemunhos/2006/12/noticia3155/


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