Corpos e destroços se espalham pelas ruas do Quênia, enquanto as potências ocidentais pressionam o presidente Mwai Kibaki a permitir uma auditoria independente sobre sua contestada reeleição, que desde a quinta-feira desencadeou confrontos que já deixaram mais de 250 mortos e 70 mil pessoas expulsas de suas cidades. No mais bárbaro episódio da onda de violência, 50 pessoas que se escondiam numa igreja foram queimadas vivas por uma multidão da etnia luo, revoltada com a reeleição, sob suspeita de fraude, do presidente Kibaki, que é da etnia rival quicuio.
Kibaki foi declarado vencedor no domingo, mas até sexta-feira o candidato da oposição, Raila Odinga, um luo, liderava a apuração por mais de um milhão de votos.
Nesta terça-feira, a União Européia (UE) confirmou que há evidências de fraude eleitoral e pediu uma apuração independente. O governo do Quênia negou o pedido e alertou que reagirá com rigor a “qualquer violação da lei e da ordem”. Comícios também foram proibidos.
“Cerca de 25 crianças e quatro idosos morreram. As pessoas que tentaram impedir o ataque foram espancadas”, disse uma testemunha do ataque.
A violência que começou nas favelas de Nairóbi se espalhou pelo país, alcançando das cidades da costa do Oceano Índico aos tranqüilos povoados das savanas. Ontem, algumas regiões de Nairóbi pareciam ter recuperado alguma normalidade, com postos de gasolina reabrindo e a presença de soldados nas ruas. Porém, nas favelas, acirradas batalhas entre gangues de etnias rivais continuavam. Em algumas áreas, caminhões com militares percorriam um cenário devastado, com carcaças de carros queimados e casas abandonadas. Grupos de jovens armados montavam barricadas separando bairros quicuios dos de luos.
A eleição de Kibaki fez emergir um perigoso ressentimento de luos contra os quicuios, grupo étnico privilegiado do Quênia que domina os negócios e a política do país desde sua independência, em 1963.
Testemunhas disseram ontem que gangues pararam carros e obrigaram os passageiros a descerem e a se identificarem para determinar se eram quicuios — o que normalmente pode ser descoberto pelo sobrenome. Se fossem, eram linchados.
A luta mais intensa, no entanto, ocorreu no Quênia ocidental, reduto de Odinga, onde uma mistura de baderna, protesto político e violência étnica provocou a morte de dezenas de pessoas. A polícia reagiu atirando contra os manifestantes e estabelecendo toque de recolher em Kisumu, impedindo que as pessoas deixem suas casas à noite e proibindo a reunião de mais de duas pessoas durante o dia. O ministro de Segurança do Quênia proibiu a transmissão ao vivo de programas de TV de audiência nacional porque, segundo ele, a cobertura da crise estava incentivando novas rebeliões. A União Européia e o Japão apelaram a Kibaki e Odinga a agirem para pôr fim à matança.
Muitos quenianos, orgulhosos de um país dos mais prósperos da África, disseram-se envergonhados.
“Voltamos aos dias da ditadura”, disse Maina Kiai, presidente da Comissão Nacional do Quênia para Direitos Humanos.
Muitos, no entanto, ainda crêem na democracia. Centenas de pessoas de uma favela de quicuios e luos fizeram uma marcha pela paz.
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