Vestido como o Super-Homem, Jeener, de 5 anos de idade, brinca pelos corredores da igreja. Ele é o filho mais velho do pastor Majeed e sua esposa Shilaan; todos moram em Erbil, capital do Curdistão, no norte do Iraque. Mas, sob a lei iraquiana, este pequeno Superman não existe. Seu irmão, de 10 meses de idade, também é um habitante “inexistente” do país. Entenda por quê
A lei iraquiana afirma que, cada criança nascida no país, mesmo em uma família cristã, sob contexto muçulmano, deve ser registrada como muçulmana. Os pais de Jeener nasceram em um lar de seguidores de Maomé, por isso, em seus documentos de identificação consta o islamismo como sendo a religião de ambos. Mudar este registro, de muçulmano para cristão, é praticamente impossível no país. Por isso, os filhos do casal só podem ser registrados como muçulmanos.
Majeed, pastor da Igreja curda de Erbil, converteu-se ao cristianismo há mais de doze anos, mas, em sua identidade, ele ainda é muçulmano. Esse fator o limita em suas atividades religiosas e torna mais difícil a sua passagem pelas aldeias de maioria cristã ao redor da cidade. No entanto, para os seus filhos, as consequências são maiores, pois os pais de Jeener não querem registrá-los como muçulmanos, mas como cristãos.
"O registro de uma criança no Iraque é fundamental, pois caso contrário, ela não terá direito a tratamento médico e educação. Normalmente, cristãos registram seus filhos para que eles não sejam excluídos desses dois fatores essenciais. Para isso, porém, os pequenos precisam ser identificados como muçulmanos", explica Majeed.
Primeiro teste
"Nós entendemos esta lei como uma grande injustiça. Eu sou pastor, pensei que deveria dar o exemplo", disse Majeed. Ele e sua esposa optaram por não registrar seus filhos como muçulmanos. Eles decidiram que o caso de seus filhos serviria como um teste para todos os outros cristãos iraquianos que, no passado, eram muçulmanos.
Assim, quando Jeener nasceu, há cinco anos, o casal encaminhou-se ao ato de coragem de registrá-lo como cristão. Mas isso era impossível. Os funcionários alegaram que só registrariam o bebê como muçulmano. Majeed e Shilaan fizeram tudo o que era possível para que seu filho fosse identificado como cristão; eles acreditavam que o sucesso de seu caso podia abrir as portas para outras crianças nascidas em famílias cristãs.
Por duas vezes, eles foram à Justiça pedir ao juiz para que o cristianismo fosse considerado uma opção. Mas o magistrado respondeu negativamente, referindo-se à regra oficial que indica que a mudança de religião muçulmana para cristã é proibida. Ele advertiu-os a não retornem ao tribunal por este motivo. Mas o casal cristão prosseguiu em sua reinvidicação.
"Nós até fomos ao parlamento, mas também lá nosso pedido foi negado", contou o pastor, observando como seu filho mais novo tem o equilíbrio das pernas bastante instável, segurando uma cadeira com as mãos.
O casal agora está focado em suas duas últimas opções. A primeira é apelar por intermédio do ex-presidente os EUA Jimmy Carter. Majeed espera que ele venha visitar o Iraque. A outra possibilidade é um pedido oficial à Corte Internacional de Justiça.
Por hora, Majeed e Shilaan conseguiram arranjar um lugar para Jeener em um jardim de infância. "Ninguém permite crianças não registadas nas classes. Nós já sabemos que a escola primária não poderá aceitá-lo quando ele completar sete anos", explica o pai. As crianças no norte do Iraque iniciam a escola primária nessa idade.
De volta à igreja, Jeener salta de uma das cadeiras do templo, sem saber do que seu pai está falando no púlpito. O Superman desenhado em sua camiseta segue seus passos, enquanto ele atravessa o edifício da congregação. Mesmo sem entender ainda, ele já é uma vítima de discriminação, simplesmente por causa da fé de sua família em Cristo.
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