chefe do governo regional da Irlanda do Norte, Peter Robinson, passará seis semanas afastado do cargo, enquanto a polícia investiga o escândalo provocado por uma relação extraconjugal de sua mulher.
Pouco antes do inesperado anúncio, membros do partido de Robinson, o protestante DUP, haviam dado um voto de confiança ao primeiro-ministro norte-irlandês, pressionado a renunciar na semana passada depois que sua mulher, que é deputada, foi acusada de malversação de fundos públicos em benefício de seu amante adolescente.
Esta é uma dessas raras vezes em que a realidade supera a ficção. A verdadeira Mrs. Robinson, protagonista do célebre filme “A Primeira Noite de um Homem”, vive em Belfast, Irlanda do Norte. Na ficção, Anne Bancroft representa uma entediada e madura dona-de-casa americana que acaba caindo na tentação da carne fresca. A personagem real é muito mais que isso: Iris Robinson é uma cristã protestante pentecostal muito devota e membro do Tabernáculo Metropolitano de Belfast; é também a esposa do principal ministro da Irlanda do Norte, Peter Robinson; ela mesma é deputada no Parlamento britânico e na Assembleia do Ulster, e famosa por sua personalidade forte e sua tendência a apelar para a Bíblia para justificar seu extremismo religioso e seu puritanismo nos costumes.
Ele é um pouco mais parecido com o tímido estudante representado por Dustin Hoffman: Kirk McCambley tinha 19 anos na época de seu tórrido romance com uma mulher quase 40 anos mais velha. É filho de um açougueiro de um bairro protestante do leste de Belfast que acabou travando uma forte amizade com Iris, uma de suas clientes, a ponto de que, estando o açougueiro no leito de morte, ela se comprometeu a cuidar do rapaz. Seu desvelo maternal acabou por transformá-lo em amante.
O ambiente burguês de subúrbio americano do filme que Mike Nichols dirigiu em 1967 é, nesta versão da vida real, muito mais criativo. Há muito mais que sexo entre aqueles que poderiam ser avó e neto. Há política, dinheiro, religião, tráfico de influências e um pano de fundo digno de que alguém volte a levar essa história às telas: o ambiente endogâmico, pacato, beato e sectário das muitas vezes tenebrosa mas, ao que parece, também luxuriante Irlanda do Norte, uma terra famosa sobretudo pelo sectarismo, o ódio, o fanatismo e a morte.
Foto de arquivo de junho de 2008 mostra Iris Robinson com seu marido, o ministro da Irlanda do Norte, Peter Robinson; ele se afastou do cargo porque sua mulher teria cometido adultério Kirk McCambley talvez não seja um bom ator – ou talvez sim, quem sabe? -, mas não lhe falta presença para dar o salto para a tela. Uma publicação gay britânica, “Attitude”, tentou sem sucesso contatar o garboso amante da senhora Robinson para colocá-lo na capa da revista. Há algo mais que oportunismo ou provocação por trás dessa tentativa: é uma maneira de se vingar de uma mulher que desde junho de 2008 está na lista de contas pendentes da comunidade gay anglo-irlandesa.
Porque a ardente Iris Robinson é a mesma que naquele verão, um dia depois de seu marido ser nomeado ministro principal da Irlanda do Norte e na mesma semana em que um homossexual foi brutalmente espancado em Belfast em um ataque homofóbico, decidiu ignorar as leis britânicas que protegem a não-discriminação por motivos sexuais e preferiu refugiar-se na Bíblia para condenar o homossexual. “A homossexualidade é abominação”, vociferou a evangélica, apelando aos versículos do Levítico que proclamam: “O homem que se deita com outro homem, como se fosse com uma mulher, comete uma abominação. Os dois serão réus de morte, e o sangue deles cairá sobre eles mesmos”. “Não é Iris Robinson quem determina que a homossexualidade é uma abominação, foi o Todo-Poderoso”, afirmou Peter Robinson.
Mas naqueles dias Iris já estava metida em seu tórrido romance com o jovem Kirk. E a esposa madura esqueceu então que o Deuteronômio adverte: “Se um homem for apanhado em flagrante a ter relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, tanto o homem como a mulher”. Todo político, como qualquer cidadão, tem direito a uma vida privada, a fazer o que bem entenda. Mas um político que apela para a religião para tentar impor um modelo de comportamento ao conjunto dos cidadãos tem de ser consequente com esse credo. E pregar com o exemplo.
E essa Iris Robinson é a mesma que, durante as primárias para as últimas eleições dos EUA, criticou Hillary Clinton por ter perdoado as infidelidades de seu marido. “Nenhuma mulher pode aceitar o que ela tolerou de seu marido quando era presidente. Só pensava no futuro de sua própria carreira política”, declarou. “Iris Robinson é uma hipócrita”, proclamou recentemente Peter Tatchell, um dos mais comprometidos ativistas homossexuais do Reino Unido.
Mas há muito mais que hipocrisia, adultério ou homofobia nas atribulações da senhora Robinson. Para compreender o impacto que o caso está tendo no Ulster, é preciso levar em conta a importância que a religião tem nessa sociedade. Peter Robinson não bebe álcool por motivos religiosos. Iris tomava uma tacinha de vinho de vez em quando, mas acabou deixando porque lhe parecia que dava um mal exemplo. Em dez anos só jantaram uma vez em um restaurante em Belfast. Mas sobretudo, mais ainda que no sexo e outros prazeres hedonistas, o puritanismo atinge o auge ao tratar das questões de dinheiro ou a quebra da confiança depositada em uma pessoa.
Para o blogueiro Norn Iron, “embora a moralidade sexual seja importante, o sexo não é nem de longe tão importante politicamente quanto o dinheiro” para os protestantes evangélicos. Afinal, todo pecado pode ser perdoado se houver arrependimento, e a atribulada Iris não só fez ato de contrição público como tentou suicidar-se quando, em março do ano passado, seu marido descobriu tudo.
Mas os eleitores do DUP, o partido dirigido por Peter Robinson, podem passar por cima dos desvios econômicos e do tráfico de influência que se depreendem de todo o assunto? Isso ainda está por ver.
Iris e Kirk se conhecem desde que ele, adolescente, ajudava no açougue familiar. Quando seu pai morreu, no início de 2008, ela se comprometeu a cuidar dele. Encontravam-se muito e faziam longos passeios juntos. Seja como for, essa tutela maternal derivou em um romance. E a madura Iris quis transformar em lucrativo empresário aquele órfão inexperiente.
Um dia, passeando pela margem do rio Lagan, no sul de Belfast, viram um antigo casarão de pedra que a prefeitura queria transformar em café. Como que por acaso, Iris Robinson tinha todas as chaves para que o negócio acabasse nas mãos de Kirk. Ela conseguiu o dinheiro, dois cheques equivalentes a 27 mil euros cada, procedentes de construtoras amigas. E, sendo ela vereadora local, não foi difícil que a prefeitura concedesse a licença a seu namorado.
O problema é que Iris, deputada em Westminster e na Assembleia da Irlanda do Norte, além de vereadora, nunca deu conta de seus interesses pessoais nessas operações. Não só sentimentais, mas também econômicos. Ficou com 10% do dinheiro que conseguiu para Kirk para saldar suas próprias dívidas. E quando eles romperam, depois de vários meses como amantes, ela exigiu a devolução do dinheiro e quis que a metade fosse diretamente para os cofres de sua igreja. Os pecados da carne se redimem rezando; os da bolsa, não.
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