Comissão da Câmara dos Deputados aprova projeto que dificulta aborto legal e pune venda de abortivo
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos
Deputados aprovou, nesta quarta-feira (21), o Projeto de Lei 5069/13, do
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que modifica a Lei de Atendimento às
Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13). Houve muita divergência
entre os deputados - o resultado final foi de 37 votos a favor contra
14.
A polêmica é que essa lei prevê como deve ser o atendimento a
mulheres que foram vítimas de estupro. Parlamentares discutiram, por
exemplo, se o profissional de saúde deve ou não dar informações à vítima
sobre seu direito ao aborto, e se a mulher deve ou não ser obrigada a
fazer um exame de corpo de delito. A CCJ decidiu manter o direito à
informação, mas introduziu a obrigatoriedade de registro de ocorrência e
exame de corpo de delito.
Além de modificar a lei, a proposta
também torna crime uma prática que hoje é uma contravenção - o anúncio
de meios ou métodos abortivos - e pune como crime quem induz, instiga ou
auxilia num aborto, com agravamento de pena para profissionais de
saúde, que podem chegar a ser detidos por 1 a 3 anos.
Apesar de a
proposta não tratar diretamente das hipóteses de aborto permitidas no
Brasil, o debate sobre o tema foi o pano de fundo da reunião, com o
plenário cheio de manifestantes carregando cartazes antiaborto. "Nós
viemos aqui para defender a vida; punir quem de forma covarde faz
anúncio ou induz alguém a fazer aborto é uma medida justa para coibir
esse crime", defendeu o relator da proposta, deputado Evandro Gussi
(PV-SP).
Mudanças
Gussi modificou seu
relatório para diminuir a resistência ao texto, mas ainda houve bastante
polêmica. Ele voltou atrás e deixou na lei a expressão de que as
mulheres devem conhecer seus direitos ao serem atendidas no serviço de
saúde. Gussi argumentava que o direito à informação não precisa estar em
nenhuma lei, pois já é garantido, mas a bancada feminina contestou essa
tese e disse que é importante que as vítimas saibam sobre seu direito à
pílula do dia seguinte, e ao aborto caso o estupro resulte em gravidez.
O
relator acatou a sugestão das deputadas para não simplesmente excluir
da lei o termo "profilaxia da gravidez". Os médicos ouvidos pela
comissão disseram que profilaxia se refere a um procedimento que impeça o
desenvolvimento de uma condição, mas Gussi entende que o termo
profilaxia está ligado a doenças, e não poderia ser usado em relação à
gravidez. O próprio governo havia mandado o PL 6022/13, trocando a
expressão "profilaxia" por “medicação com eficiência precoce para
prevenir gravidez”, utilizada pelo relator com modificação:
"procedimento ou medicação, não abortivos, com eficiência precoce para
prevenir gravidez resultante de estupro".
Gussi também introduziu
uma ressalva, uma espécie de cláusula de consciência, de que nenhum
profissional de saúde ou instituição poderá ser obrigado a administrar
procedimento ou medicamento que considere abortivo.
A deputada
Maria do Rosário (PT-RS) elogiou o esforço de Gussi, e argumentou que o
projeto já foi bem pior, com criminalização até mesmo de profissionais
que auxiliassem no aborto "sob o pretexto de redução de danos". Para
ela, o problema é que toda a proposta está escrita de forma que não é
possível saber as reais consequências do texto. "Eu gostaria de ter
certeza de que a mulher vai ser atendida pelo serviço de saúde, e não
numa delegacia, porque é isso que preconizam todos os especialistas.
Devemos votar essa proposta pensando nas vítimas", enfatizou.
Críticas
Para
a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), a proposta piora uma conquista
das mulheres, que é o atendimento humanitário em serviço de saúde. "A
decisão sobre se ela quer ou não ir à delegacia deve ser da mulher; mas,
depois de ter seu corpo vilipendiado, nenhuma mulher pode ser obrigada a
fazer um exame de corpo de delito", declarou.
Além disso, a
introdução da expressão "não abortivo" na lei não ficaria livre de
consequências, porque grupos religiosos querem, após essa proposta,
mudar o entendimento sobre a pílula do dia seguinte, para que ela seja
considerada abortiva. "Ninguém aqui é idiota, eu sei que há essa
discussão, de que a pílula pode impedir a nidação, mas estamos falando
de uma mulher que, se ficar grávida, terá o direito ao aborto. Mais uma
vez vamos punir as mulheres pobres, que não têm conhecimento dos seus
direitose vão sofrer repetidamente", ressaltou a deputada.
Já a
deputada Renata Abreu (PTN-SP) defendeu o relatório e disse que médicos
lhe ofereceram a opção de abortar quando ela tinha 17 anos, e que esse
tipo de apologia ao aborto é que precisa ser punido com maior dureza.
"Eu não tinha condições de saber as consequências daquele ato, e essa
não deve ser uma prática", disse.
Ainda assim, a deputada Erika
Kokay (PT-DF) lembrou que a proposta também modifica o entendimento do
que é violência sexual e estupro, para os efeitos da lei de atendimento
às vítimas. Na lei, está expresso que violência é qualquer ato não
consentido, mas a proposta delimita esse conceito ao que está definido
no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40). "Isso quer dizer que o
entendimento hoje é de que a palavra da mulher vale, e é importante
dizer que o atendimento deve acolher essas mulheres, e não desconfiar
delas", defendeu a parlamentar.
Destaques
Após
a aprovação do texto, três destaques tentaram modificar a proposta. A
maior discussão foi sobre o encaminhamento obrigatório das vítimas a uma
delegacia e ao exame de corpo de delito. Embora o relator tenha
retirado do texto uma parte que deu margem a críticas de que o exame de
corpo de delito seria pré-requisito para o atendimento das vítimas, o
texto foi criticado por colocar entre as obrigações do serviço de saúde o
encaminhamento da vítima à delegacia. "Essa medida protege as provas e
busca punir os agressores; não vemos razão para que seja retirada do
texto", disse o deputado Marcos Rogério (PDT-RO).
Tramitação
A proposta segue agora para votação do Plenário da Câmara.
Íntegra da proposta: PL-5069/2013
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